Observatório do Clima - Desmatamento foi responsável por aumento da poluição climática, que ocorreu apesar de queda recorde no PIB; dados mostram país afastado do cumprimento de compromissos internacionais
|
Base de dados mostra crescimento do último ano em relação em 2014. |
As emissões brasileiras de gases de efeito estufa (GEE) tiveram uma elevação de 3,5% em 2015 em comparação com o ano anterior. O dado é do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima, cuja quarta edição será lançada nesta quinta-feira (27), no Rio de Janeiro.
De acordo com o sistema, o Brasil emitiu 1,927 bilhão de toneladas brutas de CO2 equivalente (CO2e, a soma de todos os gases de efeito estufa convertidos em dióxido de carbono) no ano passado, contra 1,861 bilhão de toneladas em 2014.
A elevação aconteceu num ano em que o PIB do país caiu 3,8%, numa das piores recessões da história. Ela se deu sobretudo devido ao aumento do desmatamento no ano passado. Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgados em setembro indicam que a taxa de desmatamento na Amazônia cresceu 24% em 2015 em relação a 2014. As emissões por mudança de uso da terra, que consideram todos os biomas brasileiros, cresceram 12%.
Já o setor de energia, segunda maior fonte de emissões da economia brasileira, teve uma queda de 5,3%, devido à desaceleração econômica e ao avanço das energias renováveis. É a primeira vez desde 2009 que as emissões do setor de energia caem no Brasil. Nos demais setores — processos industriais, agropecuária e resíduos — as emissões não variaram significativamente em relação a 2014.
Os dados de 2015 SEEG consolidam um quadro de estagnação nos últimos anos, no qual o país não consegue reduzir suas emissões apesar dos compromissos assumidos em 2009, na conferência de Copenhague. Em 2013, elas cresceram 8%, mesmo com a estagnação. Em 2014, caíram 4%, na esteira da queda de 18% do desmatamento na Amazônia — mas com forte aumento no setor de energia, devido à seca que fez o governo acionar termelétricas fósseis. No ano passado, elas subiram em plena recessão.
Desde 2005, quando o Brasil começou a derrubar o desmatamento na Amazônia, até o ano passado, as emissões da agropecuária aumentaram 9%, as de energia aumentaram 45% e as de resíduos e processos industriais, cerca de 23%. “Os dados mostram que o Brasil teve um período singular de queda de 2005 a 2010 e, desde então, estamos patinando, com emissões totais estabilizadas há seis anos e com forte aumento no setor de energia”, afirma Tasso Azevedo, coordenador do SEEG.
As emissões do país estão no mesmo ponto em que estavam em 2010, quando o Brasil começou a implementar as metas com as quais se comprometeu em Copenhague — de redução de 36,1% a 38,9% até 2020 em relação à trajetória. “Hoje temos de reduzir o desmatamento pela metade para cumprir a meta de Copenhague, mas ele está aumentando em vez disso”, afirmou Tasso Azevedo.
“Nos países desenvolvidos e até mesmo em países em desenvolvimento como a China nós começamos a ver um descolamento entre PIB e emissões: a economia cresce com emissões estáveis ou em queda. No Brasil isso não acontece. É preocupante, porque rumamos para 2020 com emissões em alta e não numa trajetória consistente de redução”, afirma André Ferretti, gerente de Conservação da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário e coordenador-geral do Observatório do Clima (OC).
Para Carlos Rittl, secretário-executivo do OC, os dados mostram que o Brasil está longe de uma trajetória de redução de emissões compatível com seus compromissos no Acordo de Paris. “O acordo do clima entra em vigor daqui a 11 dias. Tirá-lo do papel exige mudar drasticamente o rumo do nosso desenvolvimento, mas não é o que estamos vendo acontecer”, afirmou. “As emissões de energia caíram, mas o risco de elas voltarem a subir rapidamente quando o país sair da recessão é enorme, dada a aposta nos combustíveis fósseis, que dominam os investimentos no setor — com o Congresso ainda por cima embarcando no trem da alegria do carvão, como se quisesse que o país voltasse ao século 19.”
ENERGIA
Entre 2014 e 2015, dois fatores foram responsáveis majoritários pela redução das emissões no setor de energia, onde elas crescem mais depressa no país: a desaceleração econômica e o aumento da participação das fontes renováveis na matriz energética, em especial o álcool combustível. “Sessenta e cinco por cento da redução de emissões no setor de Energia ocorreu nos transportes”, diz Marcelo Cremer, do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente). Por conta da crise, o consumo de diesel utilizado para transporte de cargas caiu 7,1%. O consumo total de combustíveis para veículos leves (etanol e gasolina) se manteve estável, porém o etanol apresentou um crescimento de 18,6%, enquanto a gasolina diminuiu 9,4%. Esses fatores foram responsáveis por uma redução de 7,4% no setor.
Na sequência, os dois maiores responsáveis pela redução de emissões no último ano foram a geração de eletricidade e as atividades industriais, que caíram, respectivamente, 4,8% e 2,9%. “A queda nesses dois setores está relacionada à redução do crescimento econômico que provocou, entre outros, diminuição na demanda de eletricidade e na produção física de aço e cimento”, diz Cremer. Colaborando ainda mais para a redução dessas emissões está o aumento das fontes renováveis não-hídricas na matriz elétrica, principalmente a eólica: 21,1%. O despacho das usinas hidrelétricas caiu 3,7% e das usinas térmicas a combustíveis fósseis diminuiu 4,9%.
AGROPECUÁRIA
O SEEG 2016 incorpora duas novidades no setor que é o terceiro maior responsável pelas emissões brasileiras. Primeiro, o monitoramento mensal das emissões da produção de carne e do uso de fertilizantes; depois, o primeiro cálculo das emissões e remoções de carbono no solo devido as práticas agrícolas, que não são contempladas pelos inventários nacionais de emissões.
Conhecer a emissão dos solos é fundamental, porque a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) do Brasil tem um forte componente de recuperação de pastagens degradadas. No entanto, hoje não se computa quanto essas pastagens emitem ou removem de carbono no solo — um dado crucial para entender o potencial de sequestro de carbono em pastos recuperados.
Segundo a primeira estimativa do SEEG, solos agrícolas emitiram em 2015 cerca de 225 milhões de toneladas de CO2 equivalente e sequestraram 195 milhões de toneladas. “O grande salto que o Brasil pode dar é nesse setor, porque nós temos 50 milhões de hectares de pastos degradados que estão emitindo carbono, quando poderiam estar sequestrando”, disse Marina Piatto, coordenadora da iniciativa de Clima e Agropecuária do Imaflora.
RESÍDUOS
Desde 1990, o setor de resíduos sólidos apresentou um cenário crescente de emissões, devido sobretudo à disseminação dos aterros sanitários. Nos aterros, o processo de decomposição anaeróbica, que gera gás metano, é mais frequente do que nos lixões — em compensação, nos aterros, esse gás pode ser aproveitado para gerar energia.
As emissões de esgoto têm uma forte correlação com aspectos econômicos e taxas de urbanização observada no país. “A tendência é bem clara: em Estados onde há uma população maior e altas taxas de urbanização, as emissões tendem a ser bem maiores”, diz Igor Albuquerque Reis, gerente de Mudanças Climáticas do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade. “O fato de haver poucos investimentos na prática de recuperação energética nas estações de tratamento de esgoto é um dos motivos pelo qual as emissões do setor não apresentam uma queda significativa”, prossegue Reis. “Com a universalização do acesso à rede de esgoto e a ampliação do tratamento de efluentes previstos na Lei de Saneamento, é bem provável que ocorra um aumento das emissões no setor, logo o aproveitamento energético de lamas residuais e biogás seria muito desejável.”
TERCEIRO INVENTÁRIO
Os dados de 2015 foram ajustados de acordo com o Terceiro Inventário Nacional de emissões, entregue pelo Brasil à ONU em abril deste ano. O inventário, a informação oficial mais recente e acurada disponível sobre as emissões do Brasil, mostra que as emissões por desmatamento em 2010 foram cerca de 25% maiores do que indicava o inventário anterior. Isso levou a uma revisão em toda a série histórica de emissões por mudança de uso da terra, o que produziu a elevação em todos os valores reportados anteriormente pelo SEEG e também a queda de 4% nas emissões brutas do país em 2014 em relação a 2013 (os dados anteriores, produzidos com base no segundo inventário, mostravam uma queda de 0,9% no total).
BRUTO OU LÍQUIDO?
As emissões líquidas de GEE em 2015 foram de 1,402 bilhão de toneladas de CO2e, contra 1,336 bilhão em 2014 — alta de 4,9%.
Nesta edição, o SEEG também dá um tratamento distinto às chamadas emissões líquidas — que descontam as remoções de CO2 por florestas em áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas. O governo reporta esses dados na contabilidade oficial do Brasil, considerando-as remoções “antrópicas”. Tal desconto é facultado aos países pelo IPCC, o painel do clima da ONU. No entanto estas remoções são, a rigor, naturais (elas ocorrem enquanto as árvores crescem nessas florestas), o que distorce o resultado.
A partir do Terceiro Inventário Nacional, porém, tornou-se possível também estimar as remoções por florestas secundárias, ou seja, por rebrota de florestas. O SEEG 2016 reporta os três números, portanto: emissões brutas, emissões líquidas considerando remoções por áreas protegidas (na mesma métrica do governo) e emissões líquidas considerando também as remoções por florestas secundárias.