sábado, 17 de setembro de 2011

As ONGs em meio à crise climática


* Eco21 - Barbara Unmubig  - O debate já vem com atraso. Há muitos anos persiste a fé em uma sociedade civil global que, numa espécie de missão histórica, estaria destinada a salvar o mundo à luz do fracasso político universal dos países. Essa posição vive um renascimento, principalmente depois da decepcionante reunião de cúpula das Nações Unidas sobre o clima em Copenhague, em 2009. 

No entanto, é precisamente o processo internacional de negociações em torno da questão climática que lança o foco sobre até que ponto cresceram os conflitos de interesse geográficos, conceituais e ideológicos entre os atores da sociedade civil no tocante à questão climática. Já não se pode (mais) falar de união que faz a força, de harmonia das posições. Além dos conflitos de interesse políticos, há ainda numerosas “normas” intrainstitucionais, bem como obrigações para o trabalho da sociedade civil, principalmente no que se refere ao acesso a recursos e doações e à opinião pública através da mídia.


Organizações não-governamentais que se envolveram em processos globais de negociação como as negociações climáticas há muito se veem confrontadas com problemas e dilemas estruturais semelhantes aos enfrentados pelos negociadores oficiais governamentais. Quem participa, quem está excluído? Até que ponto é possível construir a capacidade de ação e desenvolver estratégia, considerando tantos interesses extremamente heterogêneos? Como seria uma divisão do trabalho inteligente diante de tantos atores? Que recursos poderiam ser eficazmente utilizados e de que maneira? O que pode ser concretizado de fato e o que é desejável em termos de política climática? (equidade, solidariedade, transposição do conflito Norte-Sul?)

É verdade que, depois da frustração com os resultados da cúpula sobre o clima em Copenhague, muitas organizações da sociedade civil efetivamente começaram a refletir sobre o seu papel no processo de negociação sobre o clima e sobre a proteção contra mudanças climáticas de maneira mais geral. Em documento de discussão datado de Janeiro de 2010, Jürgen Maier, diretor do Fórum Alemão para Meio Ambiente e Desenvolvimento, exorta as ONGs a “lançarem um olhar autocrítico sobre si e se perguntar até que ponto efetivamente contribuíram para o fraco resultado das negociações sobre o clima e se não deveriam ajustar o seu rumo a partir disso” (Maier 2010).

Não importa quem seja - Greenpeace ou World Wide Fund for Nature (WWF), Climate Action Network (CAN) ou Amigos da Terra (Friends of the Earth International, FOEI) e Climate Justice Now!: todos os atores globais sobre o clima têm discutido a portas fechadas de uma maneira genérica o seu futuro papel nas negociações e em relação à política climática depois do fracasso de Copenhagen. Muito pouco desse debate se tornou público. Baseada nas minhas próprias observações, as questões acima mencionadas praticamente não influenciaram esses debates. Não existe algo como um debate estratégico em nível internacional e que englobe todas as organizações. Não existe um ator capaz de organizar tal debate. Simplesmente não existe um centro estratégico para a sociedade civil, nem jamais haverá. 

Saco de gatos

E o que é esse saco de gatos conhecido por “ONGs”? ONG significa “organização não-governamental” e é um termo coletivo que não engloba apenas organizações da sociedade civil totalmente diferentes entre si, mas também coalizões e redes inter-regionais informais . Em pesquisas de opinião, às vezes obtêm índices de popularidade com os quais os políticos nem sequer ousam sonhar. Outras vezes, chegam a ser descritas como “fermento para um mundo melhor”. 

A existência das ONGS não constitui nenhum fato novo, muito menos na política climática. Nenhuma conferência das Nações Unidas sobre o clima nas últimas duas décadas aconteceu sem a sua presença e o seu envolvimento ativo nas negociações. Desde o início das negociações para uma Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, em 1992, as ONGs interessadas têm sido incluídas nas negociações oficiais. Basta terem o status de uma organização ou de uma instituição para que possam se inscrever nas negociações enquanto observadores. Se, no início, havia apenas 171 organizações inscritas, em 2000 esse número já cresceu para 530. Atualmente, há 1.297 ONGs inscritas na Convenção-Quadro. À primeira vista, esse número pode surpreender. Mas as Nações Unidas usam uma definição muito ampla de ONG que inclui todas as organizações que “não foram estabelecidas por meio de um acordo intergovernamental.” Isso abrange, portanto, também universidades, associações comerciais e industriais, igrejas e autoridades municipais.

As tendências para o trabalho sobre o clima

A participação de atores da sociedade civil nas negociações sobre o clima da ONU experimentou várias tendências ao longo dos últimos vinte anos. Durante e logo após a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992, numerosas organizações ambientais e de desenvolvimento participaram das negociações. Em Berlim, Alemanha, em 1995, a Conferência das 

Partes, conhecida por COP-1, foi marcada por alto grau de mobilização e trabalho de rede em níveis local, nacional e internacional. O interesse de um largo espectro de atores da sociedade civil só começou a decair depois da Conferência das Partes (COP-3) em Kyoto, Japão, em 1997. Foram principalmente as organizações de desenvolvimento do Norte e do Sul que começaram a se retirar do processo climático, voltando sua atenção política primordialmente para o tema “tradicional” da pobreza, em particular para a política comercial internacional e, no nível de negociação internacional, para a Organização Mundial do Comércio.

 De forma mais geral, podemos constatar que o crescente movimento antiglobalização dedicou pouca ou nenhuma atenção aos desafios ecológicos globais. Os temas ligados à distribuição e equidade passaram a ser mais associados a temas sociais do que a questões ecológicas. A sociedade civil já não discutia mais meio ambiente e desenvolvimento no mesmo contexto como o fez durante a década de 90. 

Consequentemente, grandes organizações ambientais que operam em bases transnacionais, como WWF e Greenpeace, organizações ambientais nacionais como o Enviromental Defense Fund dos EUA ou o Bund alemão, redes internacionais como Friends of the Earth Internacional ou Climate Action Network, assim como novas ONGs altamente especializadas como a alemã Germanwatch ou a britânica E3G, falam praticamente para si mesmas durante as conferências anuais sobre acordos entre países. Seus especialistas em mudanças climáticas se afundaram em detalhes técnicos das negociações, ocuparam-se com as complicadas estruturas de trabalho do processo climático das Nações Unidas, criticaram aqui e acolá alguns instrumentos como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (Clean Development Mechanism) e o comércio de emissões, mas de forma geral corroboraram tudo. Em um ritual que se repete anualmente – e que é bastante eficaz em termos de mídia – lamentavam os parcos progressos na concretização das metas de redução do Protocolo de Kyoto, reivindicavam mais transferência de tecnologia e mais dinheiro para a proteção global do clima.

Mas o processo internacional de negociação praticamente não se sustentava mais na coletividade dos próprios membros das ONGs maiores e os processos de negociação praticamente não eram mais repassados para uma opinião pública mais ampla. Sem falar na ausência de uma mobilização mais massiva no seio da própria organização. Os especialistas em clima das ONGs ficavam basicamente entre si, assumindo um status mais para co-elitista em relação aos delegados dos países. Chama a atenção ainda que, além das redes transnacionais como Climate Action Network ou Friends of the Earth International, a representação da sociedade civil de países do Sul tendia para zero. Mesmo organizações de desenvolvimento que atuam em nível internacional como Oxfam por muitos anos se abstiveram do debate. 

Isso só começou a mudar novamente em meados da primeira década do novo milênio. O chamamento global por uma nova ofensiva na proteção global do clima, porém, não veio da sociedade civil, e sim da ciência ligada ao clima, que alarmou a opinião publica e os políticos com suas descobertas sobre o progresso dramático do aquecimento global. Muitas organizações da sociedade civil mudaram sua agenda novamente, voltando a se envolver em favor da proteção do clima, entre outros temas, em detrimento de questões comerciais. A OMC voltou a ficar fora do debate, mas a caravana de ONGs, apesar de sua quantidade, naufragou na cúpula da ONU sobre o clima em Copenhague em dezembro de 2009. Essa cúpula vivenciou a maior mobilização em massa desde que existem negociações em torno das mudanças climáticas.

Muitos novos atores do Norte e do Sul, portanto, voltaram a se envolver nas negociações: organizações com foco em desenvolvimento como Oxfam, Christian Aid - ou, na Alemanha, Misereor e Brot für die Welt - voltaram a ficar mais ativas, seja na recém-fundada Aliança para o Clima na Alemanha (Klima-Allianz) ou com os respectivos programas e parceiros em países em desenvolvimento. Até mesmo em nível local – não importa se no Norte, Leste ou no Sul – voltam a existir cada vez mais iniciativas e organizações para lutar contra megaprojetos de produção de energia ou outros tipos de empreendimentos mal conduzidos.

Com a entrada em cena destes novos atores da sociedade civil, temas “esquecidos” ou negligenciados como equidade climática ou pobreza também voltaram às mesas de negociação. Essa tendência pôde ser percebida na COP 2007, em Bali, manifestando-se através da fundação de uma nova rede transnacional, a Climate Justice Now!, entre outras ações. Num prazo de três anos, o influente Third World Network firmou-se como uma voz central da sociedade civil com grande influência nos governos do Sul, com newsletters diários publicados durante as reuniões intermediárias e nas COPs. CAN aceitou principalmente novos membros do Sul, que internamente reivindicam discussões em torno dos temas de equidade climática e da divisão de responsabilidades para o cumprimento das metas de redução de CO2 e no tocante às obrigações financeiras.

Em julho de 2008, a ONG Focus on the Global South organizou uma Conferência sobre Justiça Climática em Bangcoc com a participação de 170 ativistas de movimentos sociais e da área das ciências de 31 países diferentes. E em Outubro de 2008, em Mamallapuram, no Sul da Índia, a CAN realizou a 2ª Cúpula sobre Equidade, depois de 2001, com a participação de 150 representantes de organizações da sociedade civil de 48 países . Com isso, a participação se ampliou visivelmente, tornando-se menos homogênea e exclusivista. 

Por outro lado, a maior diversidade e heterogeneidade acabaram fortalecendo também os conflitos entre as ONGs e as diversas representações de interesses (organizações indígenas ou associações profissionais, organizações feministas ou de gênero, sindicatos e muitos outros). No entanto, há outro fator que continua sendo crucial para a participação nas negociações globais: Quem é capaz de conseguir os recursos necessários? Quem paga as viagens, os hotéis? Essas questões de cunho material também são decisivas sobre exclusão ou participação. Em consequência, abriu-se uma cisão no interior da comunidade de ONGs, separando os “players“ globais organizados hierarquicamente de outras ONGs ou movimentos sociais mais fracos em termos de recursos ou organizações e movimentos sociais. 

Fragmentação e divergências

Mais do que nunca, a crise climática expõe claramente os diferentes graus de impacto nas diversas regiões e classes sociais. Isso também se reflete nas divergências de interesse no seio da sociedade civil. As contradições se aguçam visivelmente entre ONGs do Sul e do Norte, entre ONGs e movimentos sociais, entre organizações ambientais e desenvolvimentistas. Consolidam-se não apenas nas posições, mas também nas estratégias (trabalho de lobby, ações) e nos diferentes níveis de ação (local versus global). Assim, os conflitos não tardaram a acontecer. A organização Friends of the Earth International resolveu sair da rede CAN. E Climate Justice Now! nem sequer se tornou membro de CAN, rede que vem perdendo em capacidade de aglutinação e de coordenação. 

A heterogeneidade de interesses e o aumento na quantidade de membros tornam a busca pelo consenso bem mais lenta. Principalmente as grandes ONGs que investem muito dinheiro em sua presença nas negociações sobre o clima, que organizam publicações e eventos próprios e buscam, sobretudo, a visibilidade na mídia global, trabalham cada vez mais “por conta própria”. Sobra pouco tempo para debates estratégicos e busca de consenso. Além disso, surgiram diferenças de posição insolúveis que fazem parecer desnecessária a aprovação por meio de votação. Por isso, cada um busca o seu caminho para trilhar.

Quanto mais as ONGs se profissionalizam ao longo do tempo, mais cresce o risco de perderem sua legitimidade e seu enraizamento democrático na base. E quanto mais influências exercem sobre os processos políticos reais, mais perdem a capacidade de emprestar uma voz ao bem comum. 

Frequentemente acabam se perdendo no emaranhado de seus problemas pontuais. Estão sempre de olho em algo que possa agradar os seus doadores. Quem quer não só protestar e organizar campanhas, mas sim cooperar com instituições governamentais para chegar às antessalas do poder, corre o risco de sacrificar uma boa parte de sua autonomia e de ser instrumentalizado pelo sistema. Nem todas as ONGs são capazes de se equilibrar entre a significância de suas reivindicações e a importância da influência que querem exercer.

Denominador comum: 2 graus 

Porém devemos nos ater neste momento àquilo que pode ser visto como consenso entre os atores do clima na sociedade civil. Todos aqueles que apostam no processo conduzido pela ONU querem um bom acordo para suceder o Protocolo de Kyoto, um acordo com metas claras, justo e com compromissos baseados em resultados fornecidos pela ciência do clima. Manter o aquecimento global abaixo de dois graus Celsius, é esse o parâmetro para as metas de redução de médio e longo prazo a constarem de um acordo da ONU. 

Há unanimidade em relação ao fato de que, para tal, as emissões globais precisam cair em 90% até o ano de 2050. Isso significa introduzir o mais rápido possível a descarbonificação da economia. Também é indiscutível o fato de que os países do Sul devem receber transferências de recursos e de tecnologia para ajudá-los a abandonar os modos de produção baseados em combustíveis fósseis e na adaptação à mudança do clima. 

Primeira linha de conflito: divisão de responsabilidades entre Norte e Sul

As diferenças de posição, no entanto – assim como ocorre entre os países – começa com a questão da divisão de responsabilidades. As controvérsias só fizeram crescer a partir do momento em que ficou claro que a meta dos dois graus só pode ser sustentada se, além das nações industrializadas que carregam a maior parte da responsabilidade, também os grandes países emergentes se comprometerem a cumprir metas de redução em um acordo global. Enquanto as primeiras acham ultrapassada a velha divisão das categorias de países em países do Anexo-B (ou seja, aqueles países que, de acordo com o Anexo B do Protocolo de Kyoto assumiram compromissos concretos para a redução das emissões) e os países Não-Anexo B (que, segundo o Protocolo de Kyoto, não têm compromissos de reduzir suas emissões), os segundos querem conservar esse status quo de qualquer jeito. 

Muitas ONGs, entre elas a rede Third World Network, o Centre for Science and Environment (CSE) na Índia e as agremiações regionais do CAN têm a mesma posição dos países emergentes do Sul: não querem assumir nenhuma meta de redução enquanto o Norte não se comprometer a reduzir drasticamente suas emissões de CO2 (preferencialmente até menos 40% até 2020). 

É nesse contexto que se torna central o papel dos EUA, pois de lá vem constantemente a reivindicação da inclusão dos países emergentes como China e Índia, enquanto nas negociações não conseguem contribuir com nada compatível com sua responsabilidade histórica e atual. Mas há também ONGs nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que pressionam os governos de países do Sul a assumirem a sua responsabilidade em relação à meta de dois graus, além de todos os comprometimentos vindos do Norte. 

Da mesma forma, organizações da sociedade civil de países insulares fazem eco à posição de seus governos e reivindicam que tanto as nações industrializadas quanto as emergentes cumpram ambiciosas metas de redução. Portanto, não é raro as ONGs formularem reivindicações análogas aos seus respectivos países e governos. Na barganha pelos compromissos de redução de cada um – que, de preferência, não devem trazer desvantagens econômicas para as respectivas economias – as ONGs nem sempre assumem o papel que lhes cabe de “atuar entre as esferas de poder governamental e poder econômico” enquanto organizações do “terceiro setor”.

Assim, frequentemente as organizações também se tornam aliadas dos governos. Isso é ainda mais problemático quando se trata de regimes autoritários e desumanos, que aparecem subitamente no palco global defendendo bandeiras de equidade climática. O fato de algumas ONGs estadunidenses justificarem determinadas posições governamentais dos EUA se inclui nesse campo de problemas. 

Segunda linha de conflitos: mecanismos de mercado versus mudança de sistema 

O mesmo vale para um segundo campo de conflito. Que instrumentos utilizar no combate às mudanças climáticas? Aqui ocorrem divergências mais profundas em torno dos chamados instrumentos flexíveis de mercado como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (Clean Development Mechanism), o Joint Implementation (JI), o comércio de emissões ou a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD – Reducing Emissions from Deforestation and Degradation).

Enquanto um grande grupo de ONGs basicamente favorece esses instrumentos, mas também vê a grande necessidade de reforma, as ONGs mais radicais os recusam em princípio por não serem adequados para a proteção contra a mudança climática, a eliminação de desigualdades e a superação da pobreza. “Nós também condenamos [os Governos do Norte; observação da autora] a promoção agressiva de falsas soluções, tal como o comércio de carbono (incluindo o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD); soluções técnicas como biocombustíveis, megausinas e energia nuclear; e ficções científicas como o sequestro e armazenamento de carbono. Essas chamadas soluções apenas servirão para exacerbar a crise climática e aprofundarão a desigualdade global”. 

Algumas ONGs que dez anos atrás ainda criticavam o Protocolo de Kyoto em alguns de seus elementos básicos – como o comércio com certificados de emissões ou a errônea contraposição de sumidouros de carbono contra emissões originárias da produção de energia – hoje o defendem veementemente contra ONGs e movimentos sociais novatos que desprezam o processo de negociação climática atual, incluindo os representantes de ONG que dele participam, alegando que serve apenas para legitimar e estabilizar o status quo do sistema econômico. Afinal, nós precisamos de um “crescimento verde” numa espécie de capitalismo reinventado ou precisamos mais de uma mudança radical de sistema para evitar o colapso?

Já organizações indígenas esperam que o novo mecanismo REDD seja uma fonte de financiamento para a proteção das florestas. Querem se beneficiar dele, enquanto outros o veem como uma nova brecha para os países industrializados fugirem à sua responsabilidade. Mesmo grandes organizações de defesa da natureza como The Nature Conservancy (TNC), que operam globalmente com centenas de milhões de dólares na área da conservação, se veem como beneficiários de REDD e estão há alguns anos intensificando seu trabalho de lobby em favor desse instrumento. Portanto, há muito tempo já são parte das novas opções e dos novos interesses econômicos do clima. Essas são apenas algumas das linhas de conflito, que rapidamente acabam com o mito de que as ONGs ou os movimentos sociais atiram em uma só direção ou falam todos com uma só voz.

Local versus internacional

Existem ainda diferenças consideráveis no que se refere às formas de ação e aos níveis em que elas se desenrolam. Por ocasião das negociações climáticas em Copenhague, em 2009, não se formou nenhuma aliança ampla para organizar a grande manifestação em favor do clima. Mesmo assim, não se pode ignorar que uns continuam considerando suas atividades de lobby no centro das negociações como altamente promissoras, enquanto outras organizações e redes desprezam esse modo de proceder. Em vez de trocar ideias sobre estratégias complementares e combinar uma divisão de trabalho inteligente, observam-se fronteiras cada vez mais claras das diferentes ONGs e movimentos sociais, que têm cada vez menos a ver uma com a outra. 

É verdade que a maioria das organizações ativas ainda se refere à ONU como o processo adequado para se conseguir um acordo global. Mas mesmo isso é cada vez mais alvo de crítica. O que se questiona é por que tantos recursos estão sendo direcionados para o processo global em vez de serem investidos em ações locais de proteção ao clima. É nessa brecha que entra Jürgen Maier quando pergunta: “[…] será que a força limitada das ONGs é mais bem investida se mobilizarmos tudo no sentido de […] obter um acordo por consenso através das Nações Unidas?” E “[…] nós devemos nos questionar se o passo de tartaruga do processo das Nações Unidas é capaz de fornecer as respostas de que precisamos.

“ Em última análise, como tantos outros depois do fracasso de Copenhague, ele pleiteia por uma concentração mais intensa, se não exclusiva, em atividades e ações de política climática em nível nacional e local. “Neste caso, as transformações advirão de outro modo. Se é verdade que a mudança climática avança a passos tão rápidos que nós não podemos mais perder tempo, então as ONGs também têm o dever de se concentrar naquelas atividades que prometem os resultados mais rápidos”. (Maier 2010) 

Em última análise, Maier pleiteia nada mais do que uma divisão de trabalho de orientação estratégica em que a maior parte da sociedade civil se concentra localmente em processos de transformação, deixando o processo de negociação em prol de um acordo global do clima por conta de um pequeno grupo de diplomatas e representantes de ONGs. Se a política climática é um tipo de política que se dá em vários níveis, então tentar tirar proveito desses diferentes níveis de ação faz pouco sentido. É muito mais necessário comunicar como aplicar os recursos de forma correta e os posicionamentos políticos corretos. 

Delegar as negociações internacionais para alguns lobistas de ONGs autonomeados sem refletir sobre seu papel e sua ligação com a política e a sociedade (legitimidade, accountability), no entanto, só é possível para quem, em última análise, não espera mais nada do processo climático da ONU e o considera totalmente irrelevante. Mas em que outro espaço deve acontecer a troca de interesses internacional entre o Norte e o Sul, em que espaço os orçamentos restantes de emissões do futuro podem ser distribuídos de forma justa, se não na ONU? 

Conclusão

Não há mais nenhuma dúvida: desenvolver ideias e arrolar reivindicações para melhorar o mundo faz parte do negócio das ONGs e dos movimentos sociais. Eles são capazes de confrontar o mundo das obrigações políticas burocráticas e dos compromissos difíceis com ideais e utopias que no dia-a-dia da política muitas vezes são sufocadas no nascedouro. Além disso, têm o privilégio de enxergar além dos horizontes curtos de calendários eleitorais e disseminar propostas que, por motivos eleitoreiros, muitas vezes viram tabu na agenda da política tradicional. 

Mas as ONGs há muito já deixaram de ser apenas usinas de ideias. Cada vez mais organizadas em nível global, elas e suas redes formam os núcleos organizacionais de uma opinião pública e sociedade civil internacional. Assim, podem servir como contraponto ao capital organizado, os grandes conglomerados transnacionais e as associações econômicas com suas hordas de lobistas influentes. E são capazes de mobilizar grandes multidões: contra represas enormes, contra usinas a carvão e nucleares. Mesmo durante as rodadas de comércio internacional e cúpulas do clima conseguem levar milhares para as ruas de muitas capitais do mundo. Assim, jogam areia nas engrenagens da política do poder e forçam mais um espaço de abertura e transparência.

Mas mesmo sendo justificadamente designadas como contrapeso democrático aos poderes econômico e político, as ONGs estão constantemente confrontadas com a questão da sua legitimidade. As pesquisas de opinião pública até podem lhes atestar um alto valor entre o público. Mas essa aceitação estimada por meio de métodos demoscópicos não lhes confere nenhuma legitimação democrática. Em nome de quem falam os seus funcionários, em cuja seleção, por exemplo, simples doadores não têm a menor influência? No máximo, elas representam uma comunidade virtual. O mito de organizações democráticas de base comprometidas apenas com objetivos nobres acabou fracassando através de cartazes de arrecadação de recursos em paradas de ônibus ou até mesmo amargos escândalos de doações, mesmo que esses casos ainda sejam raros.

Apesar da vontade comum de querer salvar o mundo, as ONGs, portanto, continuam um saco de gatos que - só à custa de muito esforço e esporadicamente - conseguem ficar de acordo em relação a mensagens comuns. Manter uma função de cão de guarda em relação aos políticos – já que muitos olhos veem mais – ou rascunhar uma plêiade de ideias e alternativas – já que muitas cabeças pensam melhor – são pontos positivos. Mas é só de vez em quando e por breves espaços de tempo que as ONGs conseguem se conjurar em favor de um rumo estratégico e de um conteúdo comum. Quem, dentro de um movimento sem comando central, estaria apto a tomar tais decisões de cunho central?

A fragmentação e a diferenciação do envolvimento da sociedade civil no contexto do clima é maior do que jamais foi. Trata-se de um fato que, analisado mais pormenorizadamente, ajuda a dar adeus à imagem harmônica da sociedade civil à qual atribuímos uma competência muito maior para solucionar problemas do que à política tradicional. As ONGs e os movimentos sociais precisam procurar em seu seio o debate em torno dos diversos conflitos de interesse e diferenças de posição. Nem as redes fundadas nos últimos anos (CAN, Fórum Meio Ambiente & Desenvolvimento, Aliança para o Clima) parecem estar conseguindo organizar tais dissensões estratégicas e autorreflexivas. Mas, atitudes setoriais, fragmentadas e controversas não constituem respostas para as crises globais do mundo. Sem querer varrer para baixo do tapete os conflitos de interesse, é preciso buscar novas formas de intercâmbio e de lidar com conflitos que sejam novas para uma sociedade civil global e diversa.

Barbara Unmubig - Presidenta da Fundação Heinrich Böll

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