Deroní Mendes - O sítio do meu pai fica numa região conhecida como Pantanal do Alto Guaporé no município de Vila Bela da Santíssima Trindade sudoeste de Mato Grosso, uma região antes praticamente de campo no período seco (junho a final de setembro) e a uma imensidão de lagoas que chegavam a encontrar-se com os rios no período das cheias (outubro a maio).
No período das cheias ficávamos
praticamente ilhados. Chovia quase todos os dias e as vezes o dia inteiro. Mas
era uma chuva, digamos que mais “calma”. As lagoas enchiam aos poucos. As Nós crianças vigiávamos ansiosamente quando
elas estivessem cheias e com peixinhos para podermos finalmente nela tomar
banho.
As chuvas eram distribuídas
regularmente, então, meu pai e meus tios observavam atentamente o tempo,as
plantas e o comportamento dos bichos para saber quando iniciar as roças e então
plantar cada cultura necessário a alimentação da família o ano inteiro: milho,
arroz, feijão, melancia, Mandioca, abóbora, etc.
Quando a água do rio atingisse as
roças o arroz já deveriam estar com os cachos quase maduros e no fim da
colheita da melancia, do contrário: “o arroz ia afogar e não soltaria os
cachos, e as melancia apodreceriam antes de amadurecer”.
Era extremamente fundamental que a
água do rio atingisse a roça na época em que o arroz estivesse soltando os
cachos porque a água impediria que alguns mamíferos devorassem os grãos diminuindo
assim o volume da colheita.
Deu a louca no clima. Ele mudou e
modificou drasticamente a paisagem da região do alto Guaporé e a vida daquelas
pessoas que vivem lá. Meus pais são a prova de que a mais de 10 anos as lagoas
não enchem mais, a prova disso é que os antes vastos campos com seus minguados “capões”
viraram um imensas áreas de cerrado com suas inúmeras lindas arvores baixinhas, contorcidas e de folhas grossas.
A velhice ajudou, mas foi
principalmente pela escassez de chuvas que meu pai deixou de fazer roças já que
o rio e lagoas deixaram de encher ao ponto de inundar as roças de arroz como
outrora. Com um ar nostálgico minha mãe diz que “bom mesmo era aquele tempo de
fartura com muito peixe nos rios, corichos e lagoas. Ainda olho na lagoa e vejo
vocês tomando banho, pescando lambari, brincando de pira, agora é só poeira de
carro que passa e os cavalos pastando de tardezinha”.
O Sítio do meu pai não fica tão
longe da cidade, prá falar verdade é até bem perto, apenas 65 km, no entanto,
até a década de 1980 e inicio dos anos noventa era como se ficasse mais de 500
km. No período das cheias só havia um meio de sair de lá. Uma viagem de
15km a cavalo até uma comunidade mais
próxima. Precisávamos partir com o dia
ainda escuro, pois era necessário desviar das lagoas ou procurar as partes mais
rasas a fim de que o cavalo não cansasse tanto ao nadar. Da comunidade em questão até a cidade de barco
a motor levava-se em média 15 horas em dias de sol.
Sai do sítio dos meus pais em
1989, aos 10 anos para estudar na cidade, mas ainda me lembro de como era a
vida lá com muita clareza. Nem parece que já fazem mais de 20 anos, mas se tem
uma coisa que me lembro muito bem daquela época, era o regime de chuvas por lá
e minha mãe e meu pai me ajudam com os períodos (meses) do ano ao qual correspondiam tais lembranças.
Atualmente a imensa lagoa em
frente da nossa casa deu lugar a ao cerrado e a uma estrada que transformou as
viagens entre o sítio e a cidade que antes duravam mais um dia (parte no lombo
de cavalo e parte em barco) em míseros 45
minutos. Ou seja, observando a distribuição das chuvas, é impossível não
perceber que modo de viver hoje dos meus pais é a prova de que as mudanças
climáticas atingiram em cheio as comunidades tradicionais modificando
drasticamente seu modo de viver e principalmente de se relacionar com a
natureza. Mais que isso as mudanças
climáticas trouxe insegurança alimentar para essas famílias que tinham nas
roças e principalmente nos peixe importante fonte de nutrientes.
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