quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Mudanças Climáticas: de cavalos e barcos a carros e motos

Deroní Mendes - O sítio do meu pai fica numa região conhecida como Pantanal do Alto Guaporé no município de Vila Bela da Santíssima Trindade sudoeste de Mato Grosso, uma região antes praticamente de campo no período seco (junho a final de setembro) e a uma imensidão de lagoas que chegavam a encontrar-se com os rios no período das cheias (outubro a maio).

No período das cheias ficávamos praticamente ilhados. Chovia quase todos os dias e as vezes o dia inteiro. Mas era uma chuva, digamos que mais “calma”. As lagoas enchiam aos poucos.  As Nós crianças vigiávamos ansiosamente quando elas estivessem cheias e com peixinhos para podermos finalmente nela tomar banho.

As chuvas eram distribuídas regularmente, então, meu pai e meus tios observavam atentamente o tempo,as plantas e o comportamento dos bichos para saber quando iniciar as roças e então plantar cada cultura necessário a alimentação da família o ano inteiro: milho, arroz, feijão, melancia, Mandioca, abóbora, etc.

Quando a água do rio atingisse as roças o arroz já deveriam estar com os cachos quase maduros e no fim da colheita da melancia, do contrário: “o arroz ia afogar e não soltaria os cachos, e as melancia apodreceriam antes de amadurecer”.

Era extremamente fundamental que a água do rio atingisse a roça na época em que o arroz estivesse soltando os cachos porque a água impediria que alguns mamíferos devorassem os grãos diminuindo assim o volume da colheita.

Deu a louca no clima. Ele mudou e modificou drasticamente a paisagem da região do alto Guaporé e a vida daquelas pessoas que vivem lá. Meus pais são a prova de que a mais de 10 anos as lagoas não enchem mais, a prova disso é que os antes vastos campos com seus minguados “capões” viraram um imensas áreas de cerrado com suas inúmeras lindas arvores  baixinhas, contorcidas e de folhas grossas.

A velhice ajudou, mas foi principalmente pela escassez de chuvas que meu pai deixou de fazer roças já que o rio e lagoas deixaram de encher ao ponto de inundar as roças de arroz como outrora. Com um ar nostálgico minha mãe diz que “bom mesmo era aquele tempo de fartura com muito peixe nos rios, corichos e lagoas. Ainda olho na lagoa e vejo vocês tomando banho, pescando lambari, brincando de pira, agora é só poeira de carro que passa e os cavalos pastando de tardezinha”.

O Sítio do meu pai não fica tão longe da cidade, prá falar verdade é até bem perto, apenas 65 km, no entanto, até a década de 1980 e inicio dos anos noventa era como se ficasse mais de 500 km. No período das cheias só havia um meio de sair de lá. Uma viagem de 15km  a cavalo até uma comunidade mais próxima.  Precisávamos partir com o dia ainda escuro, pois era necessário desviar das lagoas ou procurar as partes mais rasas a fim de que o cavalo não cansasse tanto ao nadar.  Da comunidade em questão até a cidade de barco a motor levava-se em média 15 horas em dias de sol.

Sai do sítio dos meus pais em 1989, aos 10 anos para estudar na cidade, mas ainda me lembro de como era a vida lá com muita clareza. Nem parece que já fazem mais de 20 anos, mas se tem uma coisa que me lembro muito bem daquela época, era o regime de chuvas por lá e minha mãe e meu pai me ajudam com os períodos (meses) do ano ao qual  correspondiam tais lembranças.

Atualmente a imensa lagoa em frente da nossa casa deu lugar a ao cerrado e a uma estrada que transformou as viagens entre o sítio e a cidade que antes duravam mais um dia (parte no lombo de cavalo e parte em barco)  em míseros 45 minutos. Ou seja, observando a distribuição das chuvas, é impossível não perceber que modo de viver hoje dos meus pais é a prova de que as mudanças climáticas atingiram em cheio as comunidades tradicionais modificando drasticamente seu modo de viver e principalmente de se relacionar com a natureza.  Mais que isso as mudanças climáticas trouxe insegurança alimentar para essas famílias que tinham nas roças e principalmente nos peixe importante fonte de nutrientes. 

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