quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Mulheres indígenas do Mato Grosso querem viver de forma sustentável


Centro Burnier / João Inácio Wenzel -A Organização de Mulheres Indígenas Takiná, reunida na Aldeia Munduruku, município de Juara, dias 04 a 06 se setembro de 2012, realizou a sua 2ª assembleia e celebrou seu terceiro aniversário. Foram 18 horas de viagem de Cuiabá à Aldeia. Participaram 80 mulheres de 13 etnias indígenas: Munduruki, Rikbatza, Kaiabi, Apiaká, Manoki, Pareci, Bacairi, Chiquitano, Nambiquara, Guató, Umutina e Kanela, e uma comunidade quilombola Mutuca. 

O Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD foi convidado a trabalhar com elas a temática “Sustentabilidade e Povos Indígenas”. Depois de vermos o documentário Tudo ao mesmo tempo Agora, cada etnia traçou um paralelo de como se sustentavam antes da chegada do “desenvolvimento” e como se sustentam hoje. O que aprendi com elas e do que pude ler em preparação a essa assessoria, concluo o seguinte:

1º – Sustentabilidade não é só sustento, conseguir alimentos para comer, mas é também uma forma saudável de viver bem, de se organizar e viver a própria cultura, as tradições e a herança espiritual.

Com propaganda enganosa o agronegócio diz ser “o celeiro do mundo”, mas na realidade é o seu “coveiro”. Enriquece com os “verdes dólares” conseguidos, sobretudo, com a exportação de commodities, concentra as terras nas mãos de poucos, gera pouquíssimos empregos e produz cada vez mais desigualdade social, além de envenenar o solo, os rios, os lençóis freáticos e o ar. As consequências são a morte da biodiversidade e doenças e mais doenças, tais como alergias, câncer, leucemia, má formação e abortos.
Sustentabilidade é comida saudável e diversificada, preservação e valorização da cultura do povo, autonomia, justiça social e cuidado ambiental.

2º – Se quisermos viver de forma sustentável, temos de ser como as árvores. Elas precisam da terra, água, energia solar e ar. Como agradecimento elas fertilizam a terra, retirando nutrientes das profundezas da terra e adubam a superfície deixando as folhas maduras caírem no chão. Retiram também águas subterrâneas e a lançam ao ar, em forma gasosa, umedecendo o ambiente. Sua madeira é utilizada para produzir energia e fogo para cozinhar os alimentos, ou para fazer casas e abrigos para as pessoas, ou simplesmente para adubar a terra. Suas folhas trocam ar com os seres vivos: retiram dele o gás carbônico e, em troca, oferecem oxigênio e ar puro para todos os seres vivos, que por sua vez devolvem gás carbônico, alimento para as plantas.

As árvores vivem pela economia da troca. Não são egoístas, nem acumulam o que produzem. A cada ano oferecem gratuitamente sementes e frutos para os pássaros, os animais, os seres humanos e os invertebrados.
Várias etnias, ao narrar como as comunidades se sustentavam antes do “desenvolvimento”, afirmaram que era bem mais forte a troca de alimentos. Viviam de forma sustentável, como as árvores.

3º – Os produtos tradicionais do povo Munduruku, trazidos à frente em sua apresentação, são sinais visíveis do que é sustentável: banana da terra, bananinha, caju, milho, cana, três tipos de cará, mandioca, mamão, buriti, assai, patuá, urucum, vasilhas de cabaça, redinha de pescar peixinho, paneiro com tipoia branca e tipoia vermelha, abóbora, polvilho, tapioca, biju, castanha, timbó pra pescar, cacau… isso é sustentabilidade, porque há diversidade e constante renovação dos produtos, com garantia da preservação das espécies. As vasilhas de cabaça, as cestas de palha, a redinha de fibras vegetais, quando devolvidas à natureza, viram adubo em menos de um ano. 

Os copos plásticos utilizados para servir suco não. São lixo que fica aí no ambiente durante 100 a 400 anos até se decomporem. Também não é sustentável a telha de amianto que cobre o salão, porque ele causa sérios danos à saúde dos trabalhadores que o fabricam, causam dano ao meio ambiente e é muito mais quente ficar debaixo dela no sol quente do que naquele dormitório coberto de palha.

 4º – Não é sustentável a monocultura do gado, da soja e da cana, como todas as outras. Na nossa viagem de Cuiabá à aldeia Munduruku, município de Juara, o que mais vimos foi boi, terra à espera de plantio de soja, e cana.

O gado ocupa 2/3 das terras agriculturáveis. São 29 milhões de cabeças de gado no Mato Grosso e cada boi ocupa em média um hectare de terra. A outra terça parte da terra agriculturável é ocupada em sua maior parte por soja e milho, destinada para ração animal, e uma pequena parte para alimentação humana. Geram pouco emprego, concentração da terra e da renda e prejuízos socioambientais. As castanheiras frondosas no caminho da aldeia, num pequeno espaço de terra, produzem em torno de 250 kg de castanhas, segundo os Munduruku. É um crime desmatar para criar boi e uma total irracionalidade econômica em termos de custos e benefícios.

Não é sustentável a produção de etanol, embora o governo diga que é combustível limpo, porque além dos danos socioambientais causados pela monocultura, utiliza a prática de pulverização aérea de agrotóxicos, polui o ambiente com as queimadas. Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, essa prática atinge o alvo apenas em 30%. O resto polui intencionalmente o ambiente. Além disso, para a produção de cada litro de etanol, restam 10 a 15 litros de vinhoto, utilizado para adubação, mas que tem um impacto negativo enorme nas águas subterrâneas, pela alta concentração de metais e elementos nocivos à saúde, tornando-a imprópria para consumo humano.

Também não são energia limpa e sustentável as hidroelétricas que querem construir aqui no Rio dos Peixes, Juruena e Teles Pires, porque impactam a reprodução dos peixes e tornam os rios pobres em alimentos para os povos tradicionais. Ao inundar grandes áreas de mata, afetam a biodiversidade e causam impactos negativos, pois a madeira inundada em decomposição gera gás metano que é acima de 200 vezes mais danoso à camada de ozônio que protege o planeta dos raios solares.

5º – Sustentabilidade não se faz de forma isolada. O que acontece em torno da reserva indígena gera impactos fortes sobre a biodiversidade e o modo de vida dos povos. O modelo de produção, levado à frente pelo agronegócio, afeta todas as formas de vida.

Precisamos decidir como queremos viver, o que queremos comer, que energia queremos utilizar, onde investir os recursos públicos, para que e para quem produzir.

É imprescindível que haja pessoas que vivam desde agora de forma sustentável, e é muito importante que cada povo tenha sua autonomia em viver de forma sustentável. Mas não basta tomar uma decisão individual de ter uma vida mais saudável, como ainda não é suficiente cada etnia viver em seu território de forma sustentável. Precisamos conquistar um novo modelo de produção e consumo que seja sustentável para todas as pessoas e que respeite os direitos da terra e de todas as espécies. Se, em caso contrário, as sociedades e seus protagonistas continuarem a fazer mal á terra, a terra será destruída pelo fogo, como conta o mito Guarani da terra sem males. Nhanderuvuçú (Nosso Grande Pai) exortou Guyraypotý, o grande pajé, a realizar uma dança. Ele nos exorta hoje a entrar nesta dança. A Assembleia das mulheres indígenas, bem como o encontro unitário dos trabalhadores, trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas, realizada em agosto, são excelentes ensaios.

* Pesquisador do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD.

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