Heinrich Boll Stiftung Brasil - Carollina Leitão - Brasil, Filipinas, Uganda e Colômbia. Nesses quatro diferentes países, a implementação de projetos de REDD e manejo florestal, entre outros mecanismos econômicos para compensação de impactos ambientais propostos pela economia verde, tem afetado a população local. Indígenas, militantes, servidores públicos ou agricultores, todos têm uma história que revela um processo chamado de financeirização da natureza por organizações e redes nacionais e internacionais que atuam na defesa do meio ambiente.
O tema pode parecer abstrato à primeira vista, mas basta ouvir um pouco das falas de quem vive esta realidade de perto para entender que o principal resultado são as violações ao direito à terra e à água. Para dar uma dimensão do problema, o Grupo Carta de Belém reuniu no dia 16 de junho, na Cúpula dos Povos, pessoas de todo o planeta que têm lutado para garantir seu direito ao território e, consequentemente, sua sobrevivência.
“Não queremos as populações tradicionais como peças de museu”, desabafou a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (AC), Dercy Teles de Carvalho. Nascida e criada na cidade a 189 km da capital Rio Branco, Dercy de Carvalho, 58 anos dos quais 35 dedicados à defesa dos direitos dos trabalhadores rurais, tem presenciado a exploração predatória da madeira e o êxodo rural causados pelo manejo florestal comunitário da Reserva Extrativista Chico Mendes.
A iniciativa em teoria contribui para o uso sustentável da floresta. Mas, na prática, resulta no desequilíbrio da fauna local e na limitação da agricultura para subsistência das famílias que vivem na Resex. As regras para o manejo florestal impedem a caça e o plantio de outras espécies para a alimentação da comunidade local, explicou Dercy. Por isso, a população rural que antes era de 60%, hoje se reduz a 37% em razão da saída de jovens para a cidade em busca de emprego.
“A gente vive no Acre, referência mundial em sustentabilidade, mas para quem está na floresta isso é só no papel. Não vemos essa melhoria da qualidade de vida das populações tradicionais que é colocada pelo governo”, disse Dercy, destacando a incoerência entre a imagem do estado do Acre e os reais impactos da política ambiental na região.
Falta transparência nas transações de carbono
Não só os povos da floresta têm sentido as consequências de propostas baseadas na economia verde. A partir da denúncia da engenheira agrônoma e funcionária pública da Prefeitura de Apiaí, São Paulo, Delma Fontanesi, a Polícia Federal começou a investigar um suposto esquema de compensação ambiental por meio da venda de crédito de carbono em Apiaí. A cidade está localizada no Vale do Ribeira, região que possui 17% da Mata Atlântica remanescente.
Com o envolvimento de advogados, prefeitos da região e organizações não governamentais a ação consistiria na criação de um parque que depois seria entregue à gestão da iniciativa privada. Entretanto, falta transparência à negociação que, por lei, deveria ser submetida à população.
“No final do ano passado, descobri por acaso que o prefeito estava criando um parque municipal de 35 mil hectares. Como o Snuc [Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza] diz que a criação de uma unidade de conservação deve pelo menos ser discutida com a comunidade, comecei a cobrar do Conselho de Desenvolvimento Rural, dos sindicatos e de outras lideranças políticas e a falar com interessados que estavam perdendo seus terrenos. A partir disso, começamos a investigar por que uma unidade de conservação estava sendo criada às escondidas”, contou Delma que apontou o interesse de usineiros de cana de açúcar e citricultores de São Paulo na compensação ambiental. Ela lembrou que o novo Código Florestal permite a compensação ambiental por bioma. Assim, o agricultor pode expandir suas fronteiras agrícolas ao pagar pela compensação em outro lugar.
REDD e land grabbing no centro da disputa por terra
Nas Filipinas e na Uganda, a conversão da terra em dinheiro se dá principalmente pelo land grabbing, uma corrida pela compra de terras em países em desenvolvimento principalmente por corporações nacionais e transnacionais que se intensificou a partir da crise mundial de alimentos de 2008.
A filipina Leda Mariano relatou o conflito agrário em seu país, onde 75% da população é de agricultores. Ela contou que as áreas para agricultura estão sendo destinadas ao uso comercial e industrial de corporações transnacionais, com remoção dos pequenos agricultores que antes viviam e cultivavam na região. Incentivando a luta por reforma agrária, citou a decisão da Suprema Corte das Filipinas que em 2011 determinou a distribuição da Hacienda Luisita, a segunda maior propriedade de uma só família do país, para pequenos agricultores. Apesar de o processo de distribuição de terras ainda estar em andamento e apresentar problemas como o não reconhecimento das mulheres – o governo entrega as terras apenas aos agricultores –, Leda o considera uma vitória de uma luta de quase 50 anos.
Na Uganda, a questão agrária está diretamente ligada aos agrocombustíveis e aos projetos de REDD no país. Para David Kureeba da rede Amigos da Terra Internacional, os dois são falsas soluções para o problema das mudanças climáticas e juntos impulsionam a corrida pela compra de terras, que acontece com o apoio do governo. Ele reforça que ambos atendem a interesses de indivíduos, e não de comunidades.
O REDD também é criticado no Brasil. Para o índio Henrique Suruí, os projetos de sequestro de carbono irão causar conflito entre os indígenas. Ele reforçou que não são necessários técnicos ou projetos que ensinem os índios a preservar a Amazônia – algo que sempre fizeram – e cobrou do governo uma demarcação de terras justa. O REDD não é consenso entre os Suruí. Atualmente a Associação Metareilá do Povo Indígena Suruí desenvolve o Projeto Carbono Suruí, primeira iniciativa de REDD+ no país, que tem como parceiros a ONG americana Forest Trends e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).
Água também entra na conta
Na Colômbia, a parceria público-privada aliada à militarização dos territórios e a mudanças na legislação nacional tem conduzido à privatização da água, de acordo com Danilo Urrea, da Censat Água Viva – Amigos da Terra Colômbia. Ele vê a Organização das Nações Unidas como arena internacional para o debate do tema, mas aponta contradições.
“A ONU reconhece através da resolução da Assembleia Geral de 2009 o direito à água. Por outro lado, a economia verde através de todos os seus programas do Pnuma nega esse direito e tenta criar um mercado azul completamente direcionado pelas propostas de empresas como Coca-Cola e Nestlé e que nos diz que a única possibilidade de garantia de acesso à água no mundo é através do controle público-privado e da política do Banco Mundial implementada nas últimas décadas”, analisou o ativista.
Danilo propôs como alternativa a elaboração de um projeto de manejo público e comunitário da água no qual as populações tenham soberania territorial para garantir a qualidade das fontes. Para ele, a disputa pela água tem a ver com a garantia de territórios para sobrevivência dos povos e representa algo maior: o desaparecimento do Estado democrático de direito em função do aumento do poder de grandes corporações.
Larissa Packer, advogada da ONG Terra de Direitos e membro do Grupo Carta de Belém, também traçou uma análise mais ampla. Segundo ela, a proposta de uma economia verde está intimamente ligada à resposta do sistema capitalista à escassez de recursos naturais. Assim, a lei da oferta e da procura continua em vigência, o que em vez de proteger pode intensificar a degradação ambiental.
“É por isso que quanto mais a indústria do petróleo queimar combustível fóssil e liberar CO2 na atmosfera, menos ar puro teremos. Quanto maior a degradação das florestas, menos árvores irão existir. Se a árvore vira um título financeiro, quanto mais se avança com o petróleo maior o valor do título ambiental. Não é assim que a especulação financeira se dá? Por isso, a economia verde não tem nada de verde. É a mesma economia marrom. É mais uma forma de contemplar o mercado financeiro e o livre comércio dos bens comuns”, concluiu.
Sobre o Grupo Carta de Belém
É uma articulação de organizações e movimentos socioambientais, trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar e camponesa, agroextrativistas, quilombolas, organizações de mulheres, organizações populares urbanas, pescadores, estudantes, povos e comunidades tradicionais e povos originários que compartilham a luta contra o desmatamento e por justiça ambiental na Amazônia e no Brasil. Foi criada em 2009 como resposta à Convenção do Clima de Copenhague que instituiu o mercado de carbono. Em 2011, o Grupo lançou a publicação “Quem ganha e quem perde com o REDD e Pagamento por Serviços Ambientais? – Documento de Sistematização das Convergências do Grupo Carta de Belém extraídas do seminário sobre REDD+ e Pagamento por Serviços Ambientais X Bens Comuns”.
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