Fonte: Instituto Socioambiental - ISA |
ISA - Vinte anos depois da promessa de devolução de Marãiwatséde, na Eco-92, aos seus verdadeiros donos, comitiva xavante vai ao Rio Centro cobrar desintrusão imediata do território. Do outro lado da cidade, em evento paralelo da Funai, órgão indigenista reafirma compromisso e garante agilidade nas ações.
Nesta quinta-feira (21), uma comitiva xavante foi recebida na Rio+20 por representantes do governo brasileiro para entregar uma carta (leia abaixo) com o pedido da desintrusão imediata de Marãiwatséde.
O documento foi entregue ao ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, ao secretário de Articulação Social do governo federal, Paulo Maldos, e à presidente da Funai, Marta Azevedo. Além de receber a carta, eles anunciaram uma visita à Terra Indígena no próximo mês.
O documento foi entregue ao ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, ao secretário de Articulação Social do governo federal, Paulo Maldos, e à presidente da Funai, Marta Azevedo. Além de receber a carta, eles anunciaram uma visita à Terra Indígena no próximo mês.
Os Xavante de Marãiwatséde fizeram conhecida sua causa durante este encontro. Em um debate, promovido no dia 16, na Cúpula dos Povos, trouxeram à tona uma luta que este ano se faz histórica. Nesta conferência, também completa 20 anos da promessa de devolução do território xavante feita por um representante da Agip Petroli – então “dona” da terra – na Eco-92. (Saiba mais).
Os índios também andaram pela Cúpula dos Povos, participando de debates nas principais mesas, como a de “Diálogos Intergeracionais”, que reuniu mais de duas mil pessoas no Aterro do Flamengo e até fazendo corrida de tora no meio da principal marcha, que colocou na Avenida Rio Branco, centro da cidade cerca de 60 mil pessoas.
“Foi bem melhor que a Eco-92”, definiu o cacique Damião Paridzané, resumindo a experiência de participar dos eventos oficiais e paralelos da Rio+20. O secretário de Articulação Social do governo federal, Paulo Maldos, afirmou que o momento era estratégico para o grupo divulgar sua causa e prometeu encaminhar a carta dos Xavante à Presidente Dilma.
Desintrusão
A morosidade do processo de desintrusão do território xavante tem – em tese – data para acabar. Uma decisão judicial dá um mês para que a Funai apresente à justiça um plano de desintrusão que dialogue com ações da Polícia Federal, Ibama e Incra. Apesar de funcionários do órgão indigenista já terem se comprometido com a agilidade, o ministro Gilberto Carvalho disse aos indígenas que o plano de desintrusão de Marãiwatséde está pronto há um ano e que agora não há mais razão para demoras.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, no Museu do Índio, uma atividade paralela proposta pela Funai, também tratava do assunto. A diferença dos discursos oficiais é que segundo o órgão indigenista, o plano ainda está em construção. Mas o assessor da presidência da Funai, Aluizio Azanha, se comprometeu mais uma vez com a celeridade do processo. “A gente tem um compromisso político e judicial para reverter esse quadro”, afirmou.
Carolina Rewaptu, professora xavante que representava seu povo no encontro promovido no Museu do Índio, reiterou que o grupo já está cansado e que sofreu muito desde o contato. “Meus parentes contam que tinha muita mata e caça em Marãiwatséde. Agora não tem mais. A gente tem que reflorestar, porque senão não tem comida. Sem alimento não tem como fazer ritual e não podemos perder nossa identidade.”
Marãiwatséde é considerada a Terra Indígena mais desmatada da Amazônia Legal, com uma área de 68,8 km² de devastação, registrado em abril do ano passado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A área é equivalente a 43 vezes o Parque Ibirapuera, em São Paulo.
“Acreditamos que, finalmente, este é o momento do Estado tomar todas as providências necessárias para a desintrusão de Marãiwatséde”, diz Iara Ferraz, antropóloga do grupo de trabalho de identificação da Terra Indígena em 1992.
Carta Xavante
Exma. Sra. Presidenta Dilma Rousseff
Eu, cacique Damião Paridzané, vim a Rio+20 com representantes do povo Xavante exigir que o governo brasileiro garanta a implementação imediata do plano de desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé (MT), permitindo a ocupação integral do nosso território, que foi prometido 20 anos atrás na Eco 92.
Nesses 20 anos que se passaram, Marãiwatsédé se transformou na Terra Indígena mais desmatada da Amazônia brasileira, envergonhando todo o nosso país com a devastação criminosa que produtores de soja e de gado estão ainda fazendo na nossa terra sagrada. Vinte anos também não foram suficientes para que a Justiça brasileira tivesse a força necessária para fazer valer a decisão que respeita a Constituição Federal e os povos indígenas, tomada por unanimidade e determinando a retirada dos invasores, pois todos entraram em nossa terra ilegalmente, de má fé.
Apesar de termos nosso território reconhecido, demarcado e homologado desde 1998, ocupamos 5% da área que é de nosso direito porque fazendeiros e políticos nos ameaçam, destroem a nossa mata em Marãiwatsédé deixando nossa comunidade sem caça, sem frutos e sem os remédios tradicionais de que precisamos. Eles também despejam agrotóxicos nos rios que abastecem a nossa aldeia, por isso muitas crianças estão doentes, com diarreia, vômito e pneumonia. Enquanto estamos aqui no Rio de Janeiro, recebemos a notícia de que mais uma criança faleceu na aldeia por desnutrição.
Nós lutamos e sofremos muito para estar aqui hoje. Não queremos perder a viagem. Viemos a Rio+20 pedir que o governo federal finalmente cumpra a decisão da Justiça, que no mês passado derrubou a liminar que suspendia a retirada dos fazendeiros. Agora, a desintrusão está novamente autorizada. Queremos que o governo permita uma transição rápida da terra invadida ao povo Xavante, garantindo assistência para a nossa integridade física, cultural e a recuperação das áreas devastadas nesses 20 anos.
Vinte anos de espera é muito tempo.
Eu fui criado em Marãiwatsédé antes do contato com o homem branco. Estou lutando há 46 anos. Eu era criança quando o governo retirou minha comunidade nos aviões da FAB em 1966. Desde aquela época estamos lutando para voltar e retomar nossa terra. Estou cansado. Mas não vou desistir. Nunca.
Cacique Damião Paridzané
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