CÚPULA DOS POVOS POR JUSTIÇA SOCIAL E AMBIENTAL
CONTRA A MERCANTILIZAÇÃO DA VIDA, EM DEFESA DOS BENS COMUNS
CONTRA A MERCANTILIZAÇÃO DA VIDA, EM DEFESA DOS BENS COMUNS
CARTA DO RIO DE JANEIRO
DECLARAÇÃO FINAL DO IX ACAMPAMENTO TERRA LIVRE – BOM VIVER/VIDA PLENA
DECLARAÇÃO FINAL DO IX ACAMPAMENTO TERRA LIVRE – BOM VIVER/VIDA PLENA
Rio de Janeiro, Brasil, 15 a 22 de junho de 2012
Nós, mais de 1.800 lideranças,
representantes de povos e organizações indígenas presentes, APIB – Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil (COIAB, APOINME, ARPINSUL, ARPINSUDESTE, povos
indígenas do Mato Grosso do Sul e ATY GUASU), COICA – Coordenadora de Organizações
Indígenas da Bacia Amazônica, CAOI – Coordenadora Andina de Organizações
Indígenas, CICA – Conselho Indígena da América Central, e CCNAGUA – Conselho
Continental da Nação Guarani e representantes de outras partes do mundo, nos
reunimos no IX Acampamento Terra Livre, por ocasião da Cúpula dos Povos,
encontro paralelo de organizações e movimentos sociais, face à Conferência das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20).
Depois de intensos debates e
discussões realizados no período de 15 a 22 de Junho sobre os distintos
problemas que nos afetam, como expressão da violação dos direitos fundamentais
e coletivos de nossos povos, vimos em uma só voz expressar perante os governos,
corporações e a sociedade como um todo o nosso grito de indignação e repúdio
frente às graves crises que se abatem sobre todo o planeta e a humanidade
(crises financeira, ambiental, energética, alimentar e social), em decorrência
do modelo neo-desenvolvimentista e depredador que aprofunda o processo de
mercantilização e financeirização da vida e da Mãe Natureza.
É graças à nossa capacidade de
resistência que mantemos vivos os nossos povos e o nosso rico, milenar e
complexo sistema de conhecimento e experiência de vida que garante a
existência, na atualidade, da tão propagada biodiversidade brasileira, o que
justifica ser o Brasil o anfitrião de duas grandes conferências mundiais sobre
meio ambiente. Portanto, o Acampamento Terra Livre é de fundamental importância
na Cúpula dos Povos, o espaço que nos possibilita refletir, partilhar e
construir alianças com outros povos, organizações e movimentos sociais do
Brasil e do mundo, que assim como nós, acreditam em outras formas de viver que
não a imposta pelo modelo desenvolvimentista capitalista e neoliberal.
Defendemos formas de vidas
plurais e autônomas, inspiradas pelo modelo do Bom Viver/Vida Plena,
onde a Mãe Terra é respeitada e cuidada, onde os seres humanos representam
apenas mais uma espécie entre todas as demais que compõem a pluridiversidade do
planeta. Nesse modelo, não há espaço para o chamado capitalismo verde, nem para
suas novas formas de apropriação de nossa biodiversidade e de nossos
conhecimentos tradicionais associados.
Considerando a relevante
importância da Cúpula dos Povos, elaboramos esta declaração, fazendo constar
nela os principais problemas que hoje nos afetam, mas principalmente indicando
formas de superação que apontam para o estabelecimento de novas relações entre
os Estados e os povos indígenas, tendo em vista a construção de um novo projeto
de sociedade.
Repúdios
Em acordo com as discussões na Cúpula dos Povos,
repudiamos as causas estruturais e as falsas soluções para as crises que se
abatem sobre nosso planeta, inclusive.
Repudiamos a impunidade e a violência, a prisão e o assassinato de lideranças indígenas (no Brasil, caso Kayowá-guarani, Argentina, Bolívia, Guatemala e Paraguai, entre outros).
Repudiamos os grandes empreendimentos em territórios indígenas, como as barragens – Belo Monte, Jirau e outras; transposição do Rio S. Francisco; usinas nucleares; Canal do Sertão; portos; ferrovias nacionais e transnacionais, produtoras de biocombustíveis, a estrada no território TIPNIS na Bolívia, e empreendimentos mineradores por toda a América Latina).
Repudiamos a ação de instituições financeiras como o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que financia grandes empreendimentos com dinheiro público, mas não respeita o direito à consulta as populações afetadas, incluindo 400 regiões no Brasil, e em todos os países em que atuam, inclusive na América Latina e África.
Repudiamos os contratos de REDD e créditos de carbono, falsas soluções que não resolvem os problemas ambientais e procuram mercantilizar a natureza e ignoram os conhecimentos tradicionais e a sabedoria milenar de nossos povos.
Repudiamos a diminuição dos territórios indígenas.
Repudiamos todas as iniciativas legislativas que visem submeter os direitos indígenas ao grande capital, através da flexibilização ou descaracterização da legislação indigenista e ambiental em vários países, como a PEC 215 e o Código Florestal no congresso brasileiro e as alterações propostas no Equador.
Repudiamos a repressão sofrida pelos parentes bolivianos da IX Marcha pela “Defesa da Vida e Dignidade, Territórios Indígenas, Recursos Naturais, Biodiversidade, Meio Ambiente, e Áreas Protegidas, pelo Cumprimento da CPE (Constituição Política do Estado) e o respeito a Democracia”. Manifestamos nossa solidariedade aos parentes assassinados e presos nesta ação repressiva do estado boliviano.
Repudiamos a atuação de Marco Terena que se apresenta como líder indígena do Brasil e representante dos nossos povos em espaços internacionais, visto que ele não é reconhecido como legítimo representante do povo Terena, como clamado pelas lideranças deste povo presentes no IX Acampamento Terra Livre.
Propostas
* Clamamos pela proteção dos direitos territoriais indígenas. No Brasil, mais de 60% das terras indígenas não foram demarcadas e homologadas. Reivindicamos o reconhecimento e demarcação imediatos das terras indígenas, inclusive com políticas de fortalecimento das áreas demarcadas, incluindo desintrusão dos fazendeiros e outros invasores dos territórios.
* Reivindicamos o fim da impunidade dos assassinos e perseguidores das lideranças indígenas. Lideranças indígenas, mulheres e homens, são assassinados, e os criminosos estão soltos e não são tomadas providências. Reivindicamos que sejam julgados e punidos os mandantes e executores de crimes (assassinatos, esbulho, estupros, torturas) cometidos contra os nossos povos e comunidades.
* Reivindicamos o fim da repressão e criminalização das lideranças indígenas, como dos parentes que se manifestam contra a construção de Belo Monte. Que as lutas dos nossos povos pelos seus direitos territoriais não sejam criminalizadas por agentes do poder público que deveriam exercer a função de proteger e zelar pelos direitos indígenas.
* Exigimos a garantia do direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado, de cada povo indígena, em respeito à Convenção 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, de acordo com a especificidade de cada povo, seguindo rigorosamente os princípios da boa-fé e do caráter vinculante desta convenção. Precisamos que seja respeitado e fortalecido o tecido institucional de cada um de nossos povos, para dispor de mecanismos próprios de deliberação e representação capazes de participar do processo de consultas com a frente estatal.
* Clamamos pela ampliação dos territórios indígenas.
* Clamamos pelo monitoramento transparente e independente das bacias hidrográficas.
*Clamamos pelo reconhecimento e fortalecimento do papel dos indígenas na proteção dos biomas.
* Pedimos prioridade para demarcação das terras dos povos sem assistência e acampados em situações precárias, como margens de rio, beira de estradas e áreas sem infraestrutura sanitária. Apenas no Brasil, existem centenas de acampamentos indígenas nesta situação. 40% da população destes acampamentos são crianças.
* Clamamos pela melhora das condições de saúde aos povos indígenas, como por exemplo, no Brasil, pelo aumento do orçamento da SESAI – Secretaria Especial de Saúde Indígena, a implementação da autonomia financeira, administrativa e política dos DSEIs – Distritos Sanitários Especiais Indígenas, e a garantia dos direitos dos indígenas com deficiência.
* Queremos uma Educação Escolar Indígena que respeite a diversidade de cada povo e cultura, com tratamento específico e diferenciado a cada língua, costumes e tradições.
* Exigimos que se tornem efetivas as políticas dos estados para garantia da educação escolar indígena, tal como os territórios etnoeducacionais no Brasil.
*Queremos uma educação escolar indígena com componentes de educação ambiental, que promova a proteção do meio ambiente e a sustentabilidade de nossos territórios.
*Exigimos condições para o desenvolvimento a partir das tradições e formas milenares de produção dos nossos povos.
*Finalmente, não são as falsas soluções propostas
pelos governos e pela chamada economia verde que irão saldar as dívidas dos
Estados para com os nossos povos.
* Reiteramos nosso compromisso pela unidade dos povos
indígenas como demonstrado em nossa aliança desde nossas comunidades, povos,
organizações, o conclave indígena e outros.
A SALVAÇÃO DO PLANETA ESTÁ NA SABEDORIA ANCESTRAL
DOS POVOS INDÍGENAS
RIO DE JANEIRO, 20 DE JUNHO DE 2012
APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil,
COICA – Coordenadora de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, CAOI –
Coordenadora Andina de Organizações Indígenas, CICA – Conselho Indígena da
América Central, e CCNAGUA – Conselho Continental da Nação Guarani
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