Fonte: Instituto Socioambiental - ISA - Cacique Damião pede desintrusão imediata ladeado pelo ator Marcos Palmeira e procuradora Marcia Zollinger |
“Não adianta prometer só de boca. Meu objetivo é a terra. Vou morrer por causa da terra, porque eu quero que meu neto viva na terra dele”, declarou o cacique de Marãiwatséde, Damião Paridzané, em evento promovido pela organização Operação Amazônia Nativa (Opan), neste sábado (16), na Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro.
Damião se referia ao processo de desintrusão de seu território, que ganhou força no último mês, após uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, (TRF1), em maio, que revogou uma determinação anterior que suspendia a retirada de fazendeiros, posseiros e grileiros que ainda ocupam a Terra Indígena, localizada em Mato Grosso e homologada em 1998.
“A desintrusão está autorizada e todos os que ocupam a área deverão sair”, explica a procuradora da República Marcia Zollinger, do Ministério Público Federal de Mato Grosso. A decisão atual, de 18 de maio, é do desembargador federal Souza Prudente, do TRF1. Ela reverte o texto anterior, do desembargador Fagundes de Deus, que suspendeu a retirada dos invasores de Marãiwatséde após proposta feita pelo governo de Mato Grosso de permutar a área demarcada e homologada como Terra Indígena por uma área dentro do Parque Nacional do Araguaia.
“Só quem não conhece nada sobre populações indígenas e sobre o respeito que eles têm com o solo de onde são originários é que pode propor uma mudança absurda dessas. Embora aquela terra [Marãiwatséde] esteja devastada é o chão desses Xavante, é o território sagrado deles e eles não vão desistir”, afirma Ivar Busatto, coordenador da Opan.
Agora, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem 30 dias para apresentar à justiça um plano de desintrusão integrado com o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Polícia Federal e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “Só depois desse prazo é que podemos pensar em iniciar o processo, que também depende de disponibilidade de terra para reassentamento e do efetivo da PF. Devemos agora, em parceria com o Incra, fazer o levantamento das ocupações na região para estruturar esse plano”, diz o assessor da presidência da Funai, Aluizio Azanha.
Cansado das promessas e da morosidade do processo de retirada dos não índios de seu território, Damião afirma que se após este prazo nada for feito irá para Brasília com 50 guerreiros pressionar a Funai.
Xavante dançam em apresentação na Cúpula dos Povos
“Esse será um processo difícil, mas todo mundo que está lá sabe que está na ilegalidade. Ainda assim, acho que deve ser um processo respeitoso, pois quem trabalha na terra também merece um chão para produzir com tranquilidade. É legítimo que muitos desses ocupantes se preocupem com a criação dos filhos, o futuro. O governo terá que garantir o lado deles também, mas fora de Marãiwatséde”, afirma Busatto.
Para a procuradora, essa decisão é resultado do fortalecimento da luta dos xavante pela retomada do território. Em 2004, os índios reocuparam um pequeno pedaço da terra, após meses morando à beira da BR-158. Desde então, vivem em constante conflito com os invasores da TI.
20 anos de promessa
Em 1992, durante a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, também realizada no Rio de Janeiro, a estatal italiana Agip Petroli – então proprietária das terras xavante –, sob grande pressão, se viu forçada a anunciar a devolução do território a seus verdadeiros donos. A partir desse momento, o governo federal iniciou os procedimentos para demarcar a área indígena, enquanto fazendeiros da região, apoiados por políticos locais, começaram forte campanha de ocupação e desmatamento das terras, além de uma batalha jurídica contra o retorno dos indígenas.
O processo de homologação ocorreu sem que os Xavante estivessem por lá. O decreto foi expedido em dezembro de 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso. Era uma época de intensificação dos conflitos entre “brancos” e índios, o que impossibilitou os Xavante de tomarem posse do que era seu por direito. Apenas em 2004, depois de 10 meses acampados à beira da BR-158 e em meio a protestos de políticos locais e invasores, parte dos antigos moradores de Marãiwatséde voltou à área e reconstruiu a aldeia onde atualmente o grupo mora, ocupando 15 mil dos 165 mil hectares da Terra Indígena.
Este ano, os Xavante se mobilizaram para relembrar esses anos de luta e de expectativa para habitarem novamente todo o território tradicional do seu povo.
História
Marãiwatséde é exemplo dos impactos da política de expansão agropecuária em Mato Grosso e da violência estatal e privada contra os indígenas. A ameaça ao território xavante começou na década de 1940, com a colonização do oeste brasileiro iniciada pela Expedição Roncador-Xingu. Logo depois, nos anos 1960, veio a construção da rodovia Belém-Brasília, e em 1961 Marãiwatséde sofreu efetivamente sua primeira invasão: instalou-se naquelas terras a fazenda Suiá- Missú, que chegou a ser considerada “o maior latifúndio do Brasil”, com quase 1,5 milhão de hectares. A fazenda de gado, formada pelo colonizador Ariosto da Riva, passou em 1962, para as mãos da família Ometto e posteriormente foi adquirida pela estatal petrolífera italiana Agip.
Uma das primeiras medidas tomadas pela família Ometto após a posse da propriedade foi remover os índios das proximidades da fazenda em construção. De acordo com relato de um dos funcionários da Suiá- Missú, publicado em 1971 pelo Jornal da Tarde, durante três anos os peões ficaram na mata abrindo picada e cercando o território indígena. “Os Xavante estavam lá, bravos, sem conhecer civilizado. Começamos jogando comidas e presentes de um aviãozinho sobre a aldeia deles, todos os dias, na mesma hora. Tudo isso era para distrair a tribo e fazer os índios ficarem fixos num lugar só, enquanto a gente abria a picada”, contou o empregado não identificado na reportagem. Ainda com o intuito de “amansar” os nativos, segundo conta o peão, o dono da fazenda mandava matar de quatro a cinco bois todos os finais de semana para “agradar” e “acalmar” os Xavante – que posteriormente seriam testados como mão de obra na propriedade. A intenção não vingou. Com o passar do tempo, a conta começou a pesar e os índios viraram um incômodo.
Em agosto de 1966 os donos da fazenda, junto com representantes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – órgão federal responsável à época pela execução da política indigenista, depois substituído pela Funai –, fizeram um acordo para a retirada dos indígenas daquela área. A explicação oficial era a necessidade de “salvar” os índios, que estavam sendo cercados e não tinham mais acesso à água na região. Com o auxílio de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), cerca de 300 Xavante foram levados à revelia para a Missão Salesiana São Marcos, 400 quilômetros ao sul de lá, onde moravam outros tantos Xavante já “amansados”. Estima-se que a transferência forçada tenha matado, só nas duas primeiras semanas, mais de 100 índios em uma epidemia de sarampo. Desde então perambularam pelas outras terras xavante até decidirem lutar pela retomada do território tradicional.
“O caso de Marãiwatséde é uma grande vergonha nacional. Primeiro fizeram contato com os índios, aí os índios adoeceram e os transferiram. E o que o órgão indigenista fez? Deu uma certidão negativa dizendo que não tinham índios naquelas terras e que qualquer empreendimento poderia ser instalado naquela área. Isto é a escritura de um crime, mas que estamos revertendo tardiamente agora”, afirma Busatto. ( Saiba mais).
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