sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A população rural na mídia no contexto das mudanças climáticas e aquecimento global


Deroní Mendes - Em se tratando do aquecimento global e mudanças climáticas nada contra o protagonismo dos “especialistas” na cobertura da mídia, afinal ninguém melhor do que eles para explicar-nos cientificamente porquês as mudanças climáticas estão e quais as conseqüências para humanidade a longo prazo, mas ainda questiono se são os únicos mesmo que podem nos dar a dimensão de sua gravidade e as catástrofes que têm provocado na produção e oferta de alimento e água para as populações rurais. 


 São raríssimas as vezes que se vê “o povão” como, por exemplo, as populações locais que dependem quase exclusivamente dos ecossistemas nos quais estão inseridas e dos recursos naturais “in natura”  falando sobre como o aquecimento global tem afetado e modificado o seu modo de vida. Muitas vezes vemos os pesquisadores falando sobre como o clima tem afetado a vida destas ou daquela populações locais que dependem diretamente dos recursos naturais de determinado ecossistema. 

Tanto os especialistas, quanto os governantes, ambientalistas e órgão internacionais como a ONU e a FAO concordam que a população mais vulnerável ao aquecimento global é e será aquela que reside na zona rural, principalmente em continentes, países, estados e cidades mais pobres do planeta, embora suas atividades produtivas sejam as que possivelmente menos contribuem com o aumento das temperaturas. 

É como se a população rural não soubesse traduzir em uma linguagem inteligível para o refinado leitor ou telespectador a forma como a falta de água ou o excesso dela tem modificado a dinâmica das plantas, o comportamentos dos animais e da própria comunidade, por exemplo.  Assim o especialista, pesquisador ou cientista, é a pessoa mais indicada para traduzir tais problemas à sociedade afinal, quem mais poderia nos dizer com propriedade que:  

“as espécies apresentam subgrupos, chamados de linhagens, genealogias que apesar de possuírem as mesmas características fundamentais são dotadas de particularidades genéticas desenvolvidas para viverem melhor em um determinado habitat e nesse sentido se,  a humanidade  não diminuir seu atual padrão de emissão de carbono muitas espécies estarão extintas em um curto período de tempo geológico”.
 ou 
“variações climáticas decorrentes das mudanças climáticas globais provocadas por ações antrópicas. Se as tendências de crescimento das emissões se mantiverem, os modelos climáticos indicam que poderá ocorrer aquecimento até acima de 6ºC em algumas regiões do globo até o final do século XXI”. 

 De fato, é pouco provável que um extrativista, indígena ou agricultor diriam isso. Jamais diriam. Não com essas palavras, mas diria com palavras mais simples, mas ainda assim com muita propriedade baseada na vivência e com certeza muita tristeza diriam e sou capaz de afirmar que todos entenderiam e muitos até se emocionaria ao vê-los contar. 

Como os períodos de seca são longos e como o período das chuvas estão mais curtos, porém mais  intensas destruindo a plantação, deixando comunidades inteiras “ilhadas”.

Como as frutas nativas não amadurecem mais nas mesmas épocas que antes e como isso tem afetado o comportamento das aves e dos animais  que agora invadem a roça. “As frutas do cerrado ainda não amadureceu, por isso as ararinhas tão acabando o milho e arroz.  

Agora a chuva demora a chegar e não dá mais para começar a roça em setembro. Só no finalzinho de dezembro. As  planta mas a chuva não vem aí morre tudo. Aí tem que plantar de novo em janeiro prá ver se vinga”.

Deixaram de plantar o arroz, o milho, e o feijão crioulo porque estes embora mais resistentes as pragas, mas demoram bem mais “para dar” (produzir). Já as sementes híbridas são mais fracas, precisam de muito veneno mas “dão mais rápidas”.  “Agora não ta adiantando plantar o arroz criolo. Ele rende mais, mas a chuva ta sendo pouco. Aí ele fica todo  “incriquiado” não segura nada. Aí não adianta”.  Sabem que estão se envenenando com os agrotóxicos, mas existem outras alternativas. Quais ?

Que não era assim, mas hoje está  cada dia mais difícil achar água. Os rios que antes jamais secavam agora estão secando. Alguns peixes sumiram. As lagoas não enchem mais. E os poços precisam ser muito mais profundos, e ainda assim secam em determinada época do ano.

Que as onças e outros animais carnívoros estão chegando mais “perto”de casa e esta comendo os animais domésticos. 

Que algumas festas e rituais tradicionais foram deixados de lado ou mudaram o período devido a escassez de água, peixe ou outro recursos naturais essenciais ao evento.

Como o calor e frio tem sido mais severos. “Antes o ano inteiro era mais fresco. O frio durava mais  tempo, no entanto que era bem menos frio. Agora é muito frio. Um frio de rachar."

Eu sei nos enunciados acima pode ter palavras que você jamais viu ou ouviu. Mas dentro do contexto e da linguagem corporal do entrevistado você entenderia.  Você não acha? Com certeza deu prá entender que todos esses problemas estão relacionados ao aquecimento global e as mudanças climáticas.  O que têm mudado na vida dessas pessoas e comunidades nas práticas produtivas e culturais.

 Muitas vezes tenho a impressão é que, eles não sabem como é a vida  cotidiana do povão. Das populações locais rurais como povos indígenas, agricultores familiares, e tantos outros, por isso e consequentemente não a saberia fazer as perguntas. Ë mais fácil consultar logo um especialista, ou só um especialista e pronto. 

Outro dia estava lendo a transcrição das fitas dos dados  coletados para minha monografia de conclusão da graduação em uma comunidade tradicional em 2005 o tema não era mudança climáticas é claro. Era sobre o impacto da transformação das terras de uso comum em uso parcelado provocou na cultura e produção dos povos e comunidades tradicionais, mas as frases e enunciados acima são desses agricultores. Redescobri isso  lendo as transcrições das fitas dias atrás.

Em um dos trechos um senhor n época com 60 anos disse-me “a gente não tem leitura, a senhora sabe.  Mas a gente tem a experiência. A gente ta aqui desde que nasceu. Quando aqui ainda era tudo mato. Tudo que a gente sabe a gente aprendeu com nosso pai, nossos tios , os antigos e ele viram e foram aprendendo como que são as coisas aqui. Onde mora cada bicho. Onde tem cada planta. Onde tem mais peixes. Onde é lugar  bom prá plantar. Qualquer nativo da  que senhora perguntar sabe que no cerrado baixo, aquele cerradinho de barro branco não dá nem mandioca. Ele nunca foi na faculdade, mas não precisou um agrônico vim aqui prá ensinar ele isso. Tá certo que ele estudou tudo. Mas ele nunca plantou ele só sabe o que ta lá no livro dele. Tem coisa que Le fala que bate, mais outros não bate. Aí eles tem que perguntar prá nóis.Nós não estudou, mas desde criança ta vendo como é. Como que os mais velhos faz.. A vê, presta atenção e aprende. E gente nasceu e cresceu  aqui,né ?  (...)  

É por isso que digo: estas pessoas, através da vivências cotidiana aprenderam tudo ou quase tudo sobre o ecossistema nos quais estão inseridas: Plantas, bichos, regime de chuvas, melhor época e lugar para plantar, pescar, coletar determinado fruto, etc. Essas populações nesses lugares vivem em função do clima. É observando o tempo que eles sabem quando é o tempo de plantar, tempo de colher determinada planta, tempo de pescar determinado peixe, caçar determinado bicho. Quem mais adequado para dizer, como essa dinâmica tem  se modificado ao longo dos anos.

(...) Agora ta muito mudado por aqui. A nossa vida mudou. Não tem mais aquela fartura que tinha antes. E não to falando  só de bichos porque agora o IBAMA proibiu nóis de caçar. Tem muito peixe que não tem mais por os rios não ta mais desembocando no outro nem na cheia mais. Tem muita fruta que quase a gente não vê mais.  Roça não ta dando mais camisa prá ninguém. Muita coisa já tem que comprar tudo na cidade. Tem gente que já nem planta mais. Já desanimou. Eu ainda faço, e vou continuar fazendo porque eu acho que a gente não pode perder a nossa  tradição e qualquer um que quiser continuar fazendo sua rocinha e quiser semente crioula eu dou. Tá certo que não ta rendendo quase nada por que chove. Mas eu acho que ainda os grande vai ver um dia é esse monte de pasto que ta acabando com a chuva e as vaca dele mesmo ta morrendo por causa disso.  A gente não come capim. Capim não faz nem sombra pro boi. O que deixa a terra boa prá plantar é arvore. Eu penso assim, que a gente, os bichos os passarinhos, tudo precisa das arvores até os rios. A senhora pode ver que é em terra de mato alto que tem mais rios e chove mais. Por isso que terra de mato alto que é bom de fazer roça (...)

Dar voz também as populações locais  rurais na cobertura sobre o aquecimento global e mudanças climáticas  é imprescindível tanto quanto aos pesquisadores. Talvez, vendo a dimensão dos problemas  que estas comunidades estão enfrentando ,os governantes  e legisladores se sensibilizem  mais no  sentido da urgência urgente de acelerar e aumentar os  esforços na elaboração  e implementação de politicas públicas, pesquisas e tecnologias que de fato mitigarão os efeitos do aquecimento global sobre a população rural afetando ainda mais a segurança alimentar e consequentemente a sobrevivências destas populações. 

Isso também sensibilizaria os grandes poluidores (empresas e grandes produtores) a mudar suas matriz produtiva forçando-os a e investir mais pesado em novas formas de produzir de forma sustentável através da adoção de  tecnologias que degradem menos o meio ambiente. Afinal quem ninguém quer ser responsável pela miséria extrema dos mais pobres muito menos extinção de espécies e ecossistemas. Afinal, ninguém quer ser taxado como responsável pelo sofrimento e extermínio de ninguém, principalmente de grupos menos favorecido social e economicamente. isso pega mal prá caramba. 

Percebe-se que a dimensão da gravidade apontadas pelos pesquisadores e especialista parece não ter sensibilizado suficientemente nem os governantes nem os grandes poluidores. A política Nacional de Mudanças Climáticas ( Lei nº 12.187, DE 29 de dezembro de 2009) e as políticas estaduais, o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, o Fundo Amazônia, as metas de redução de emissões assumidas em Copenhague e Cancum são  sim um bom começo, mas não é o suficiente tampouco  eficiente. 

2 comentários:

André Alves disse...

Parabéns pelos artigos, Deroní. Reflexão necessária e oportuna.

Deroní Mendes disse...

Pois é... Que bom que têm gostado. Sabes como é importante a sua opinião para mim, né?

Mas estou sentindo falta das suas pautas socioambientais exclusivas, importantes e necessárias, viu?

Bjus