segunda-feira, 13 de junho de 2011

Código Florestal: um caso de representação invertida

Por Márcio Santilli

Instituto Socioambiental -ISA - A Câmara dos Deputados, eleita em 3 de outubro de 2010, aprovou uma proposta de reforma do Código Florestal, em 24 de maio de 2011, com 411 votos dos seus 515 integrantes, mais de 80% da sua composição.


Por essa proposta, os proprietários rurais que desmataram ilegalmente áreas de reserva legal e de preservação permanente antes de junho de 2008 ficariam isentos de recuperá-las. As propriedades com extensão até quatro módulos fiscais ficariam isentas da obrigação de manter um percentual dessa extensão como reserva legal e, para as propriedades maiores, o cálculo do percentual da sua extensão só é feito sobre o que nela exceder aos quatro módulos. Novas autorizações de desmatamento poderiam ser concedidas pelos poderes públicos locais.

Uma emenda parlamentar aprovada por 273 votos contra 183 fragilizou ainda mais a proteção às florestas ao permitir que sejam mantidas as atividades agrossilvipastoris - e outras - em áreas de preservação permanente situadas em regiões de nascentes, margens de rios, veredas, encostas íngremes, manguezais e dunas.

Entre 3 e 6 de junho de 2011, o Instituto Datafolha realizou uma pesquisa de opinião pública de âmbito nacional para se saber o que os brasileiros pensam sobre alguns dos principais temas envolvidos na discussão sobre a reforma do Código Florestal. Algumas perguntas fazem referência direta ao texto da proposta aprovada pela Câmara e, no entanto, apuram opiniões francamente opostas ao que os deputados aprovaram.

Uma das perguntas feitas aos entrevistados foi: “Você é a favor ou contra que todos os proprietários de desmataram ilegalmente até junho de 2008 sejam isentos de recuperar as áreas desmatadas?” Resposta: 21% são a favor, 77% são contra e 2% não souberam responder.

Outra pergunta: “Você é a favor ou contra que os proprietários de terra que desmataram ilegalmente até junho de 2006 fiquem isentos de multas e punições?” Resposta: 19% a favor, 79% contra e 2% não souberam dizer.

Em perguntas mais elaboradas, que admitem três opções de respostas, se pode aferir de maneira mais ponderada, mas nem por isso menos incisiva, a opinião dos brasileiros sobre os dispositivos do Código Florestal em discussão.

O Datafolha perguntou: “Na sua opinião, os proprietários de terra que praticaram desmatamento ilegal para utilizar a terra para agricultura e pecuária deveriam: (a) ser perdoados se concordarem em repor essa vegetação; (b) ser punidos de qualquer forma para dar o exemplo para as gerações futuras; ou (c) ser todos perdoados, sem a necessidade de repor a vegetação, pois desmataram para produzir”. Resposta: 2% não responderam, somente 5% admitem o perdão sem recuperação, que é o que os deputados aprovaram; a grande maioria (93%) se divide entre o perdão com recuperação (45%) e a recuperação sem perdão (48%). Os deputados passaram ao largo das inclinações dos brasileiros.

Em outra pergunta com três resposta, focalizando as áreas de risco, mais diretamente envolvidas com o texto da emenda parlamentar piorativa, o Datafolha indagou: “O que seria melhor fazer com algumas áreas de risco como encostas, topos de morro, áreas ao longo dos rios e várzeas, que deveriam ser preservadas mas hoje estão ocupadas por pastagens e plantações: (a) manter as atividades agropecuárias nessas áreas para não prejudicar a produção, mesmo com o risco de acidentes; (b) remover todas essas atividades para evitar qualquer risco de acidentes, mesmo prejudicando a produção; ou (c) manter apenas atividades agropecuárias nessas áreas que segurem o solo e não representem riscos de acidentes. Resposta: 2% não sabem e apenas 7% apoiam a permanência dessas atividades conforme pretendem os deputados; 25% defendem a remoção e 66% - dois em cada três brasileiros – opinam pela manutenção apenas das atividades que não representem riscos de acidente.

A contradição entre a opinião pública e a posição dos deputados atravessa a pesquisa de ponta a ponta, da postura mais geral em relação às florestas e os rios, até às disposições mais específicas como as que acabamos de mencionar. O público deixa clara a sua expectativa de que o veto presidencial seja utilizado para impedir eventuais barbaridades parlamentares.

Então, o que se pode dizer da profunda falta de sintonia entre representados e representantes recém-eleitos? Que o povo está mal informado sobre o que exatamente os deputados andaram votando? Pode ser, mas 62% dos entrevistados pelo Datafolha souberam da votação do Código Florestal e, assim como os demais, se pronunciaram de forma claramente definida e reiterada pela primazia à proteção das florestas em relação à produção.

Mais provável: os eleitores não levaram muito em conta a questão das florestas ao escolherem os seus deputados nas últimas eleições. A pesquisa até traz um indicativo, de que 84% dos brasileiros não votariam em parlamentar que votou a favor da isenção de multas e punições para quem desmatou ilegalmente. Só que faltam três anos e meio para que a população volte a votar para a Câmara dos Deputados; e que a maior parte dos representantes aposta na falta de memória dos representados e no saldo apurado até o final do presente mandato. Votando pelo inverso do desejo dos seus próprios representados...

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