terça-feira, 24 de maio de 2011

Marãiwatsédé: um direito inegociável, intransferível e inalienável para os Xavantes

*Deroní Mendes - Nos últimos dias têm circulado na mídia noticias sobre o conflito agrário entre o povo indígena Xavante da Terra Indígena Marãiwatsédé e os fazendeiros, grileiros e especuladores no município de Alto Boa Vista.
A freqüente tensão ameaça a permanência dos Xavantes em seu território ancestral.

No entanto, os Xavantes tem travando essa luta contra a grilagem e especulação para manter-se em  seu território há mais de 40 anos. Segundo dados históricos e relatos de antigos Xavantes, na luta contra a grilagem os Xavantes de Marãiwatsédé em 1966, após serem forçados a trabalharem de graça para Ariosto da Riva e o Grupo Ometto; enfrentarem conflitos com os empregados da fazenda; passarem fome e serem deslocados três vezes dentro da área, cerca de 230 Xavantes foram transferidos pela força Aérea Brasileira – FAB para a Terra indígena São Marcos.

Assim iniciou a invasão de Marãiwatsédé, Ariosto Riva, em sociedade com o Grupo Ometto utilizando–se hora da força, hora de gentileza logo o grupo expandiu seu domínio se apropriando uma área de 1,7 milhão de hectares, o mega latifúndio Fazenda Suiá-Missu, cuja extensão era superior à área do Distrito Federal.
Anos depois o controle da fazenda Suiá-Missu passou a Liquifarm Agropecuária Suiá-Missu, e em 1980, para empresa petrolífera italiana Agip "do Brasil". Esta última, durante a Conferência ECO92, propôs ao governo federal um acordo para “devolver” Marawatsede a terras aos seus legítimos donos, os índios Xavantes.

A homologação da área para posse permanente e usufruto exclusivo pelo povo indígena Xavante, e registrada em cartório como de propriedade da União Federal, conforme legislação em vigor se deu apenas em 1998.

Em 2010, o Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, em confirmação a decisão de primeiro grau que havia reconhecido a legalidade no procedimento administrativo de demarcação da Marãiwatsédé determinou a retirada dos ocupantes não indígenas e a recuperação das áreas degradadas de Marãiwatsédé.

Os Xavantes ganharam o direito de voltar a Marãiwatsédé, mas encontraram seu território tomado por fazendeiros e grileiros. A mata antes densa fora substituída por imensas pastagens para o gado e nos últimos anos também pela soja.

Praticamente devastado, Marãiwatsédé que no idioma Xavante, significa "Mata Densa" ou "Mato Grosso" não mais corresponde a esta definição, fora quase que completamente devastada pela ganância dos não indígenas que vêem a terra apenas como fonte de renda e os recursos naturais um entrave ao modelo de econômico insustentável que querem perpetuar.

Com o avanço do desmatamento, tornou-se insustentável a situação dos Xavantes. Não há caça, o que é um forte agravante a segurança alimentar dos Xavantes que são considerados “povo caçador”.

Assim, na busca da sustentabilidade e da segurança alimentar, desde 2008 os Xavantes em parceria com Operação Amazônia Nativa – OPAN e a Associação Nossa Senhora Assunção – ANSA e outras ONGs que desenvolvem um projeto que busca alternativas agroecológicas de uso da terra visando a melhoria da qualidade de vida dos indígenas.

No entanto, a tensão entre os indígenas e os fazendeiros, grileiros e posseiros jamais cessaram. Mesmo com o direito a Marãiwatsédé assegurado juridicamente a pressão e avanço ao agronegócio sobre os indígenas avança continuamente. Mas os Xavantes resistem e afirmam que jamais desistirão de viver na terra de seus ancestrais.

Na última semana (quinta feira, dia 19), desconhecendo ou ignorando os significados do território para os povos indígenas e comunidades tradicionais o governador do estado de Mato Grosso Silval Barbosa (PMDB) preocupado em resolver o conflito entre os fazendeiros e os Xavantes apresentou ao secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto a “brilhante e sensacional” proposta de permuta da área de conflito removendo mais uma vez os xavantes de Marãiwatsédé sua terra de origem e direito.

O governo alega que na proposta apresentada a área a ser permutada (para onde poderão ser removidos os Xavantes) está situada entre o rio das Mortes e o Araguaia e compreende um total de 225 mil hectares, considerada rica em recursos naturais e, além disso, é bem maior que a área de Marawatsede que possui 152,3 mil hectares. Bonzinho, não?

Confesso. Não esperava tamanha ignorância, falta de bom senso acerca da legislação e dos povos indígenas por parte de um governante em dias atuais. Será que é tão difícil entender que a permanência dos Xavantes em Marawatsede está mais ligada a identidade cultural e os significados Xavantes têm com o lugar do que com o tamanho ou localização da área em questão.

A permanência em Marãiwatsédé para os Xavantes é um direito inegociável, intransferível e inalienável. O usufruto coletivo da terra e dos recursos naturais está intimamente ligados a normas simbólicas e específicas que foram estabelecidas e incorporadas ao grupo onde os laços de solidariedade e ajuda mútua entre os indivíduos do grupo é próprio do povo e do lugar. Tudo isso ao longo do tempo fez com que a permanência em Marawatsede para eles seja um bem e um direito estritamente inalienável que reflete a dependência da relação que o grupo tem com aquela terra que se converteu na prática em um conjunto de direitos que os Xavantes possuem sobre ela.

Nem é preciso muita explicação sobre a questão já que, enquanto povo indígena, o direito dos Xavantes a Marãiwatsédé além de legitimo está assegurado pela Constituição de 1988 e também pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT do qual o Brasil é um dos paises signatários.


*Deroní Mendes é Geógrafa e coordenadora do projeto de Formação de Gestores Indígenas no Instituto Indígena Maiwu de Estudos e Pesquisas de MT.

4 comentários:

Anônimo disse...

Pq vc não fala que o laudo antropológico foi forjado por uma funcionária da funai?
Fanfarrão!!!

Deroní Mendes disse...

Car@ Sr@ Anonimo,

Respeito a sua opinião. Por isso libero-a aqui. Porém, discordo totalmente. Não falei sobre o suposto laudo forjado porque é uma inverdade. Falei sobre um fato, algo legítimo, verídico, reconhecido e assegurado por lei. Marãiwatsédé é de direito dos Xavantes e isso é indiscutível, e não é preciso forjar nada está assegurado pela Constituição federal e pela Convenção 169 da OIT da qual o Brasil é signatário.

O papel tanto do governo federal quanto estadual é através dos órgãos competentes cumprirem aquilo que estabelece a lei. Legalmente, quem precisa e deve ser removido de lá são os fazendeiros e grileiros e não os indígenas. Marãiwatsédé: um direito inegociável, intransferível e inalienável para os Xavantes

Obrigada pela visita e comentário

Deroní Mendes

Anônimo disse...

Eu não respeito a opinião porque não se trata de uma opinião. Trata-se de mais uma inverdade, como muitas que foram criadas na tentativa de confundir os juízes ao longo do processo de Maraiwatsede.
Sou a perita e autora do laudo e afirmo que não só não sou funcionária da Funai, como jamais prestei serviços para a Funai.
Até nossa entidade de classe, a Associação Brasileira de Antropologia, já foi misturada à Funai por esses escritores anônimos como o que postou esse comentário absurdo, tais como o advogado dos réus, Luis Alfredo Feresin de Abreu, que me abordou em meu e-mail com falsa identidade, pelo que o denunciei ao Tribunal REgional Federal da Primeira REgião, pois uma perita trabalha para o Juiz, e não para a Funai e como tal deve ser respeitada e não abordada com falsa identidade por pessoas de ética profissional duvidosa. Estou aguardando decisão do Tribunal sobre esse tema.
Inês Rosa Bueno
Sócia Efetiva da Associação Brasileira de Antropologia

Deroní Mendes disse...

Olá Inês, Bom dia.
É uma honra ter o seu comentário no meu blog. Em especial neste post. afinal, além dos xavantes , creio que você é uma das profissionais e têm conhecimento e total legitimidade para falar sobre o tema em questão.

Confesso que fiquei indignada com comentário em questão por ser uma inverdade e principalmente porque pela falta de ética e idoneidade da pessoa que postou-o por sequer assiná-lo.

Mas resolvi postá-lo porque o comentário mostra exatamente a falta de caráter, ética profissional e total desconhecimento da pessoa sobre o sobre Marawatsede, as leis e a territorialidade dos povos indígenas.

Pensei tratar-se de falta de caráter ou pura ignorância. Pessoas que formulam a opinião com base apenas no discurso dos não indígenas fazendeiros que insistem em permanecer na área.
Como você pode perceber a pessoa desconhece como é processo e se valem de e-mails com identidade falsa como o que você recebeu e comentários anônimos absurdos e grosseiros para nos intimidar. Muita ignorância dizer que um perito trabalha para a FUNAI.

Vivendo em MT e trabalhando com povos indígenas vejo e ouço absurdos incontáveis por parte de não índios grande maioria baseadas em senso comum. O Etnocentrismo impera.
Relativisar é tarefa difícil. Mas ainda assim tento desconstruir essa mostrando um pouco do tenho aprendido no dia a dia com eles(os indígenas).

Mas, continuo acreditando na justiça e creio que os Xavantes continuarão em Marawatsede.
Mais uma vez obrigada pela visita e comentário aqui.

Atenciosamente
Deroní Mendes